Postado às 10h42 | 04 Jul 2020
Editorial do Estado
Diante das afrontas do presidente Jair Bolsonaro e seu entorno ao Supremo Tribunal Federal (STF), as atenções estão voltadas para o nome que ele indicará para substituir o ministro Celso de Mello, que completará 75 anos em novembro – idade máxima para permanecer na ativa. Além de decano da Corte, ele é o relator do pedido de abertura de inquérito enviado pela Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro para apurar seu envolvimento em crimes denunciados pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Mello também se tornou a voz de autoridade institucional do STF, respondendo às diatribes contra a democracia feitas por Bolsonaro.
Pela Constituição, a escolha de um ministro do STF é feita pelo presidente da República e o nome escolhido é enviado ao Senado, para ser sabatinado. Após a sabatina, a Comissão de Constituição e Justiça decide se o indicado preenche os requisitos de “reputação ilibada” e “notável saber jurídico”. Se for aprovado, a indicação será levada a votação em plenário onde, para ser confirmada, precisa ter o voto favorável de 41 dos 81 senadores.
Esse modelo de indicação é semelhante ao adotado nos Estados Unidos, cujas instituições serviram de inspiração para a construção do Estado brasileiro após a proclamação da República. Desde a Constituição de 1891, o modelo sofreu poucas alterações. Entre os pré-requisitos, a Carta exigia reputação ilibada e “notável saber”. A expressão “notável saber jurídico” surgiu na Constituição de 1934. As demais constituições – inclusive na época da ditadura militar – atribuíram ao Senado a prerrogativa de votar o nome indicado pelo chefe do Executivo. A exceção foi a Constituição fascista de 1937, que submetia a escolha a um Conselho Federal.
Ainda que nos Estados Unidos o mandato dos ministros seja vitalício, enquanto no Brasil ele expira aos 75 anos, a maior diferença entre os dois modelos não é de caráter formal, mas substantivo. Nos Estados Unidos as sabatinas dos indicados para a Suprema Corte são rigorosas e duram dias. Os indicados têm de demonstrar conhecimento de direito, de jurisprudência e de doutrinas jurídicas. Suas vidas e carreiras são minuciosamente escrutinadas. No Brasil, as sessões são protocolares. Costumam durar algumas horas e – com raras exceções, como nas sabatinas de Dias Toffoli, Edson Fachin e Alexandre de Moraes – os senadores se limitam a fazer elogios aos indicados.
Nos 131 anos de Brasil republicano, só foram rejeitadas cinco indicações – todas feitas por Floriano Peixoto. Nos Estados Unidos, em mais de 230 anos o Senado já rejeitou 12 indicações da Casa Branca e em 11 vezes a Casa Branca retirou os nomes indicados para evitar que fossem rejeitados. Há casos em que os próprios indicados declinaram da indicação, quando perceberam que seriam rejeitados, e em que os senadores impediram a votação, fazendo discursos intermináveis durante as sessões. Os últimos casos são exemplares. Um ocorreu em 1987, quando Ronald Reagan indicou Douglas Ginsburg, que foi rejeitado depois que se soube que fumara maconha quando adulto. O outro ocorreu em 2005, quando George W. Bush indicou uma assessora, Harriet Miers.
Considerada despreparada até pelos senadores governistas, só não sofreu uma rejeição humilhante porque desistiu da indicação antes do início da votação.
Diante das tensões institucionais que o País enfrenta, é de esperar que o Senado brasileiro se inspire no americano e passe a ser mais rigoroso nas sabatinas. Entre outros motivos, porque os nomes que têm sido aventados pelo Planalto para a vaga de Celso de Mello não são de ínclitos juristas, mas de bacharéis formados em cursos de segunda linha, sem maior experiência jurídica e notório saber. Se o Senado não tiver disposição para cobrar sólida formação jurídica e coragem de rejeitar indicações medíocres, ele estará comprometendo as instituições. Como pode a Suprema Corte zelar pela Constituição se passar a contar com um ministro sem preparo e que não hesitará quando tiver de optar entre os interesses obscurantistas de seu padrinho político e o Estado de Direito?