Postado às 05h30 | 02 Mai 2020
Editorial da Folha
Se estimar a curva aproximada de uma epidemia viral se mostra complexo em países de menor porte, o esforço assume caráter divinatório em um local como o Brasil.
Isso dito, há uma expectativa entre autoridades de saúde de que este mês de maio registrará o pico das infecções —com as óbvias divergências regionais. Natural, pois, que se questione a eficácia de medidas de isolamento social aplicadas por todo o país.
A experiência internacional tem favorecido graus diversos de fechamento e de reabertura da sociedade para o controle da curva de infecção pelo Sars-CoV-2.
Não há solução universal, como a necessidade de adoção da rigidez em Singapura provou. Mas uma coisa é certa: é o principal instrumento à mão enquanto vacinas e remédios eficazes não chegam.
No Brasil, o debate foi sequestrado a partir da insistência de Jair Bolsonaro em minimizar a Covid-19. Com 6.329 corpos até sexta-feira (1º), o presidente logra rebaixar seu patamar de humanidade e discernimento a cada semana.
Na terça passada, atingiu um novo nível do abismo ao ser questionado sobre o fato de o país ter ultrapassado a China, berço da crise, em número de óbitos.
“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, foi a pérola turva emitida pelo chefe de Estado. Nem Donald Trump chegou a tanto.
Na quinta, Bolsonaro afirmou que as restrições impostas por chefes municipais e estaduais haviam sido inúteis, apesar de haver casualidade entre elas e o ritmo da epidemia. No 1º de Maio, desejou que todos voltassem ao trabalho.
A desinformação propagada como cálculo, dado que a inevitável tragédia econômica à espreita deverá dificultar sua sobrevivência política, além de tudo é fútil.
Não se imagina imagem pior a ser associada a um político, e no presidencialismo brasileiro o titular do Planalto é destinatário de quase tudo, de pilhas de caixões a sacos com corpos pelo país.
Mas Bolsonaro —que, além de tudo, falta com a transparência ao se recusar a exibir seu próprio exame para a doença, supostamente negativo— teima, e a redução no apoio às quarentenas que se verifica pode ser ao menos parcialmente colocada em sua conta.
Estudo de brasileiros apresentado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mostra a partir do cruzamento de dados de georreferenciamento e votação de Bolsonaro em 2018 que, quando o presidente profere suas tolices, o isolamento cai mais em seus redutos.
É um pequeno exemplo, ao qual podem ser somadas inúmeras manifestações de apoio aos ditames do aspirante a curandeiro.
Enquanto isso, autoridades mais sérias se preparam como podem para o pior, como a manutenção e eventual endurecimento das regras de isolamento da cidade de São Paulo demonstram.