Postado às 06h11 | 23 Mar 2021
Estado
Enquanto o presidente cultua a morte, hospitais entram em colapso e enterros congestionam cemitérios, mais de 500 economistas, empresários, ex-ministros, banqueiros, juristas, ex-presidentes do Banco Central, acadêmicos e financistas assinam carta aberta a favor de medidas coordenadas contra a devastação social e econômica provocada pela pandemia. “Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica”, afirmam os signatários da carta. “Não há mais tempo para perder em debates estéreis e informações falsas.”
Sem mencionar o nome do presidente Jair Bolsonaro, o documento lembra a importância, para o bem e para o mal, das atitudes dos líderes. “O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração e o flerte com o movimento antivacina caracterizaram a liderança política maior no País”, lembra o documento.
A carta apareceu no domingo à noite nos meios de comunicação profissionais. Antes, o presidente Jair Bolsonaro, falando a cerca de cem pessoas, havia discursado contra novas medidas de restrição a aglomerações e à circulação durante a noite. “Estão esticando a corda e faço qualquer coisa pelo meu povo”, disse o presidente, em mais uma insinuação de ameaça, logo atenuada: “Qualquer coisa dentro da Constituição”. Depois, disse contar com dois exércitos, “o verde-oliva e a população”. Nenhum outro presidente, desde a redemocratização, citou com tanta frequência as Forças Armadas, e nenhum outro as mencionou como se estivessem às suas ordens para impor sua orientação política (ver abaixo o editorial Freando Bolsonaro).
Dois dias antes, a Volkswagen havia anunciado uma pausa de 12 dias na fabricação de veículos no Brasil. O objetivo, segundo a empresa, é preservar a saúde dos empregados e de seus familiares, diante da contaminação crescente e “do aumento da taxa de ocupação dos leitos de UTI nos Estados brasileiros”.
É preciso “colocar mais foco nas vacinas” e pensar mais no coletivo que no individual, com distanciamento social e uso de máscaras, disse o presidente da Volkswagen na América Latina, Pablo Di Si, numa entrevista à GloboNews na sexta-feira à noite.
A importância da vacinação e dos cuidados com a saúde, diante do agravamento da pandemia e da lotação de hospitais, foi tratada como evidente por executivos de vários setores, enquanto o presidente Jair Bolsonaro insistia em combater as ações preventivas de governadores e prefeitos, como se fossem violações do direito de ir e vir ou, ainda, imposições típicas de estado de sítio. São confusões evidentes e perigosas, assim como a insistência na oposição entre saúde e economia.
Muito mais competentes que o presidente Bolsonaro para falar de negócios e crescimento econômico, executivos de alto nível, economistas e financistas têm ressaltado a importância da vacinação e do combate à pandemia para a retomada segura da atividade. “Não é razoável esperar a recuperação da atividade econômica em uma epidemia descontrolada.” É necessário e possível, assinalam, proteger os mais vulneráveis, numa fase de isolamento, por meio de programas como o auxílio emergencial, e apoiar as empresas médias e pequenas.
Quatro providências básicas são destacadas: apressar a vacinação, incentivar o uso de máscaras, implementar medidas de distanciamento social e criar mecanismo de coordenação nacional do combate à pandemia. Cada uma dessas medidas pode envolver detalhes mais ou menos complexos, mas todas são indispensáveis, e a hipótese de um lockdown coordenado nacionalmente é considerada. Fecho da carta: “O Brasil exige respeito”.
O documento contém demonstrações dos enormes ganhos econômicos – e também fiscais – de uma política bem estruturada de enfrentamento da crise sanitária. Não se sabe se o presidente leu ou lerá a carta. O texto é comprido, cheio de letrinhas, e é muito mais fácil berrar ameaças diante de um punhado de apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.