Postado às 04h50 | 19 Fev 2021
Editorial do GLOBO
É ao mesmo tempo uma surpresa e um alento que, segundo relato do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao presidente Jair Bolsonaro, o plenário da Câmara pareça disposto a confirmar a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e possa até cassar seu mandato. Não é admissível nenhuma transigência com um parlamentar que profere injúrias e ameaças contra ministros do Supremo, além de agredir os fundamentos da democracia, atitude que não é protegida nem pelas prerrogativas do mandato parlamentar, nem pelo direito à liberdade de expressão. É preciso agilidade e rigor na punição de Silveira.
Até o momento, mantém-se o peso da decisão unânime do Supremo pela prisão. A reunião de custódia realizada ontem o manteve detido. Só falta a Câmara decidir seu destino. O plenário dos deputados deverá fazer isso hoje. Ou bem o tratará com o corporativismo e o compadrio contumazes no Parlamento ou, ao contrário, seguirá o voto da Corte, como aventou Lira.
A surpresa positiva na audiência de custódia sucedeu a especulação de que Silveira seria solto de tornozeleira eletrônica, em troca a Mesa da Câmara encaminharia o caso ao Conselho de Ética, desativado desde o início da pandemia. Na verdade, era uma manobra para garantir a impunidade, a julgar pela leniência e lentidão com que o Conselho atua nas duas Casas do Congresso. Para afastar o temor, foi encaminhado ontem pela Mesa ao presidente do Conselho, Juscelino Filho (DEM-MA), o pedido de cassação de Silveira, que será analisado terça-feira.
A gravidade dos ataques de Silveira impõe aos parlamentares uma guinada na forma como costumam julgar seus pares. Havia em dezembro 29 pedidos de punição contra deputados parados na Mesa da Câmara, à espera de uma decisão sobre o encaminhamento ao Conselho de Ética, onde já estão 10 processos também paralisados.
A suspensão dos trabalhos em comissões devido à pandemia pode até ser um atenuante, mas não justifica tamanha omissão. Pandemia não é desculpa para paralisia. Empurrar com a barriga as denúncias apresentadas à Mesa, e mesmo ao Conselho, é recurso frequente do corporativismo parlamentar na proteção de aliados. No final de 2019, o ministro Celso de Mello, do Supremo, suspendeu o mandato do deputado Wilson Santiago (PTB-PB), acusado de se beneficiar do superfaturamento em obras no interior do estado. A Câmara suspendeu a decisão de Celso e despachou o caso ao Conselho de Ética. Veio a Covid-19, e lá se foi o processo para o fundo duma gaveta.
Entre os 10 processos que dormem no Conselho, nem chegou o caso absurdo da deputada Flordelis (PSD-RJ), denunciada por envolvimento no assassinato do marido, em cumplicidade com parte da família. Não foi enviado pela Mesa. Flordelis é obrigada pela Justiça a usar tornozeleira eletrônica. No Senado, a situação não é muito diferente. Basta lembrar o caso do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com R$ 30 mil na cueca. Ele retomou ontem seu mandato, enquanto as acusações de desviar verbas de combate à pandemia (que nega) também repousam no Conselho da Casa.
É escandalosa a leniência dos parlamentares com os colegas. Todos os casos parados devem ser examinados, até para estabelecer inocência quando razoável. A começar pelo de Silveira, que precisa ser punido com rigor e rapidez .