Postado às 05h12 | 07 Abr 2021
O Congresso Nacional depara-se com o grande desafio de manter a vigência, ou não, da lei recentemente sancionada (lei 14;125/21), que autoriza o setor privado comprar vacinas contra a Covid19, desde que doe o total ao SUS, enquanto estiver em curso a vacinação dos grupos prioritários.
Após a conclusão dessa etapa, as empresas poderão ficar com a metade e o restante doado ao governo.
Com o apoio do ministro Paulo Guedes, empresários pressionam o Congresso para alterar a lei e permitir que as empresas comprem vacinas e destinem o total de 100% para os seus trabalhadores e familiares, paralelamente à imunização do grupo prioritário, independentemente do Plano Anual de Imunizações.
Argumentam, que a autorização pretendida desafogaria o SUS e os hospitais
No mundo, discute-se a disponibilização de vacinas para o setor privado.
Nos Estados Unidos, um dos poucos países que não tem sistema como o SUS, prevalece a gratuidade e o princípio de que não se libera um bem, que tem relação direta com a vida e a morte, por capacidade de pagamento.
Na Europa, não é aceito o acesso do setor privado, enquanto não sejam atendidos os grupos prioritários.
A OMS recomenda que a vacinação siga ordem de prioridades e a indústria venda para os sistemas de saúde dos governos
Tramita na Câmara o PL 948/2021, com pedido do regime de “urgência urgentíssima, prevendo nova hipótese das empresas adquirirem diretamente a vacina, autorizada pela Anvisa.
O texto da proposta inclui a dedução integral do valor da aquisição no Imposto de Renda. Aprovado esse dispositivo, na prática, a compra seria custeada por recursos públicos.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, diz que a vacinação privada não é a melhor solução.
Para o presidente da Câmara, Artur Lira, “qualquer brasileiro vacinado é um a menos nas estatísticas”.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco pondera que o poder de compra da iniciativa privada concorrerá com o governo.
Uma linha intermediária defende, que a compra privada poderia ocorrer, se o acesso às doses seguisse a lista de grupos prioritários, definida pelo governo.
Os que se opõem à liberação de 100% das vacinas para uso livre pelas empresas, argumentam que o procedimento frustra a unicidade do critério nacional de imunização.
Isso porque, permitiria a determinada categoria social, ou região situação imunizante superior às demais, com verdadeira afronta ao objetivo constitucional de solidariedade, à primazia da saúde pública e aos princípios constitucionais da isonomia e da separação de poderes.
Especialistas qualificam como tentativa de furar a fila e a criação de “lista VIP”.
Há quem alerte a possibilidade do surgimento de um nocivo mercado paralelo, que traria risco para a população.
Outras indagações: se os empresários compram vacinas, por que o Governo não consegue adquirir os imunizantes necessários? Os laboratórios estão promovendo leilão de vacinas? Quem pagar mais, leva?
Outro dado a ser considerado é que os laboratórios não terão capacidade de fornecer vacinas em quantidade que imunize a população mundial, cerca de 7,8 bilhões de habitantes, em 2021.
O Centro de Inovação para a Saúde Global da Universidade Duke antevê que países pobres provavelmente teriam que esperar até 2023 e 2024 para vacinar toda a sua população.
O dramático quadro da catástrofe pandêmica assemelha-se a busca de salva vidas, durante o naufrágio do Titanic.
Haviam pouquíssimos botes para acomodar quem estava a bordo. Sem critérios, a luta pela sobrevivência envolveu até tiroteio.
Outro exemplo histórico, mostra situação oposta.
A persistência e solidariedade do explorador britânico Ernest Henry Shackleton, que em 1909 tentou jornada marítima de exploração da Antártida, sendo o seu navio – “Endurance” – esmagado por massas de gelo flutuante.
Após o naufrágio, o explorador a bordo de botes à deriva preocupou-se com todos e conseguiu salvar os seus comandados.
Neste caso, Shackleton simbolizaria o papel dos governos, no combate ao vírus.
Os fatos narrados mostram o dilema com que se depara o Congresso Nacional.
Qual será a melhor decisão: manter a lei atual, ou alterá-la, como pretendido pelos empresários?
Ciente dos prós e contras, o que pensa você leitor?