Postado às 07h56 | 04 Jul 2021
Globo
Preocupado com uma possível adoção do distritão na reforma política que tramita no Congresso, o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, defendeu em entrevista ao GLOBO que o modelo atual não deveria passar por mudanças radicais. Pelo distritão, os candidatos a deputado mais votados em cada estado seriam eleitos, sem levar em conta os votos na legenda, como ocorre hoje no sistema proporcional.
Ex-ministro dos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), Kassab também avalia que “a cada dia surge mais munição” para um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, cujo grupo político ele crê que sairá fortalecido na Câmara após as eleições de 2022, mesmo em caso de derrota à Presidência.
O Congresso se prepara para discutir mais uma reforma política depois de proibir, há quatro anos, coligação nas eleições proporcionais e de estipular cláusula de barreira para os partidos. O senhor considera que é necessária outra reforma ou é adepto da tese do cientista político Jairo Nicolau, de que o país não deve mexer nas regras atuais?
As medidas foram tomadas em 2017 e não tem muito sentido pensar numa outra reforma ampla se essa ainda nem foi testada. A coligação nas eleições proporcionais era uma jabuticaba ruim do sistema brasileiro que finalmente foi banida. É a primeira eleição para deputado federal que vamos testar. Já teve para vereador e deu certo, não houve nenhum caos. O objetivo final tem que ser diminuir o número de partidos para que o país tenha mais governabilidade.
O distritão (modelo em que os mais votados ao Legislativo são eleitos, desconsiderando o coeficiente eleitoral das legendas) deverá entrar no relatório da deputada Renata Abreu (Podemos-SP). O que acha da proposta?
Vejo de maneira muito ruim sua discussão e eventual implantação. Acaba com a política do país. Os partidos são necessários porque são um filtro. O distritão cria a oportunidade de cada parlamentar ser o próprio partido. Vamos ter 513 legendas no Brasil.
Se a ideia é ruim, por que tantos parlamentares têm se posicionado a favor e o debate voltou à tona?
Existe uma ilusão dos parlamentares de que é mais fácil se eleger pelo distritão. Só que não é bem assim. Hoje o financiamento público de campanha vai para os partidos, que fazem uma distribuição coletiva do recurso entre vários nomes. Com o distritão, bastará o dirigente selecionar dois ou três e repassar o dinheiro do fundo. Outra questão envolve determinados segmentos. Atualmente, os partidos grandes conseguem filtrar e vetar um candidato ligado às milícias. Com o distritão, ele acabará em uma sigla de dimensão menor e vai se eleger, até porque costumam ser bem votados. Outro exemplo são as igrejas, que têm todo o meu respeito. Elas poderão estruturar a sua ação desvinculada de partidos. O eleito poderá legislar apenas para sua própria denominação. O distritão traz tudo de ruim que pode haver numa democracia.
O Brasil hoje tem mais de 30 partidos. Qual seria o número ideal e que legendas vão sobreviver no país?
Se chegarmos a 10 ou 12 partidos é um número razoável. Vejo na esquerda PT e PSOL. Na centro-esquerda, PDT e PSB. No centro, MDB, DEM, PSD e PSDB. Na centro-direita, PL, PP e Republicanos. E vai nascer para 2022 uma espécie de Arena, que será o novo partido do presidente Jair Bolsonaro, com 30 ou 40 deputados, ele ganhando ou perdendo as eleições. Essa direita veio para ficar.
No ano de criação do PSD, o senhor foi alvo de críticas por dizer em uma entrevista que o partido não era de “esquerda, direita ou centro”, mas hoje já se coloca em um campo…
Ali, o partido ainda não tinha concluído sua fundação. Houve um pouco de maldade também, disse apenas que estávamos nascendo ainda, não tinha nem estatuto registrado. Mas, sem dúvida, hoje somos um partido de centro.
De centro, sim, mas o senhor costuma refutar ser associado ao Centrão. Acha pejorativo?
O PSD entende que o partido, para ter identidade, precisa se apresentar como partido. O conceito de Centrão é os partidos se apresentarem como Centrão. Essa é nossa discordância. Há posições deles que somos a favor e tem outras que estamos contra. Nunca fomos deste bloco e continuaremos distantes.
Líderes do Centrão defendem a volta do financiamento privado das campanhas. O senhor concorda?
Não. O financiamento privado não deu certo no Brasil, ficou claro depois de tantos anos de investigações. Na maioria das vezes, as doações eram acompanhadas de interesse das empresas por aproximação e compromissos. Embora tenhamos tido financiamentos lícitos, o modelo está criminalizado pela sociedade e as empresas teriam receio.
Mas a culpa não foi mais dos políticos e empresários do que do modelo em si?
Sim, mas… A culpa pode ser de quem quer que seja, mas os delitos aconteceram e ficou exposta a vulnerabilidade do sistema. Posso até mudar de opinião em alguns anos, mas não estamos preparados para essa volta ainda. Além disso, as campanhas ficaram muito mais baratas do que no passado.
O senhor e os presidentes de 10 partidos se posicionaram contra o voto impresso. Qual é o risco de termos a medida aprovada para 2022?
Estou preocupado de haver uma organização para questionar o resultado das eleições do ano que vem. Com o voto impresso e a possibilidade de duplicidade na apuração, a manipulação humana pode existir. Qualquer pessoa de má-fé pode criar uma mobilização para questionar o modelo. O sistema brasileiro é admirado no mundo inteiro. Felizmente, a Câmara acordou para o tema e a chance de termos mudanças é muito pequena.
Bolsonaro está insinuando fraude na urna eletrônica porque está percebendo que perderá a eleição em 2022?
Não vou afirmar que Bolsonaro vai perder, porque falta muito, mas as chances dele vêm diminuindo cada vez mais. A última pesquisa IPEC dava 49% de avaliação ruim ou péssima e 24% de ótimo e bom. E ela foi feita antes da demissão do (ministro do Meio Ambiente) Ricardo Salles, o que deixou claro que havia um problema ali. Foi antes também da denúncia grave do deputado Luis Miranda e da imagem terrível do presidente tirando a máscara de uma criança. Então, a cada dia piora e não vejo coisas boas para reverter.
Foi apresentado na semana passada, por forças da direita à esquerda, um “superpedido” de impeachment contra Bolsonaro. O senhor acha que avançará na Câmara sob a presidência de Arthur Lira?
Lira não vai fazer a violência de abrir um processo sem fatos e evidências, mas espero que, havendo condições, dê prosseguimento. Surge mais munição a cada dia para que a pauta possa ganhar força na sociedade. E quando isto ocorre é muito difícil segurar. Principalmente em ano eleitoral, quando nenhum parlamentar quer o risco de dissociar seu nome das ruas.
Com abertura de investigação sobre Bolsonaro por prevaricação no caso da Covaxin e a denúncia de corrupção apurada pela CPI da Covid envolvendo a Davati, há clima para impeachment?
Não sou daqueles que acham que não deve ter impeachment. Eu observo e entendo que a cada dia surgem fatos novos que fortalecem a tese. Até porque chega uma hora que transborda o balde, fica inevitável. Entendo que as circunstâncias são cada dia mais favoráveis.
Não está ficando tarde para a terceira via lançar seu nome para o Planalto?
Nós vamos ter candidato próprio filiado ao PSD, e tenho defendido o perfil do (presidente do Senado) Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Entendo que precisa ser alguém da política, que tenha mostrado ser competente e vocacionado. Pacheco expressa um sentimento de renovação também. Vejo ele como o mais preparado para disputar e ganhar as eleições.
Por que não apoiar Ciro Gomes (PDT) ou João Doria (PSDB)?
O Brasil precisa de pacificação, e eles não têm esse perfil. Vejo Ciro como uma pessoa preparada, mas sem perfil pacificador. Doria também tem uma conduta de enfrentamentos desde a prefeitura de São Paulo. Além disso, está com comunicação ruim e rejeição alta.
O PSD tem integrantes no governo como o ministro Fábio Faria (Comunicações). Isso não causa confusão para o eleitor que vê seu discurso?
Fábio só não saiu ainda do PSD por questões jurídicas, já que ele é deputado federal, mas deixou claro que assumia aquele cargo totalmente desvinculado do partido.
Mas o PSD tem indicados em órgãos como a Funasa, e o deputado Hugo Leal (RJ) possivelmente será relator do Orçamento de 2022…
Os parlamentares são independentes. Em relação à Funasa, há um grupo de deputados que buscou essa aproximação, desvinculados da questão partidária. Repito: nosso caminho é ter candidatura própria e não apoiamos este governo.
Em estados como Rio e São Paulo, o PSD terá candidatos próprios aos governos?
Em São Paulo, estamos conversando com o Geraldo Alckmin. Meu entendimento, imagino que não esteja equivocado, é que ele está definido a ser candidato a governador e por isso sairá do PSDB. Uma chapa junto ao Márcio França (PSB) seria muito competitiva. No Rio, quem tem carta branca é o prefeito Eduardo Paes (PSD), e me parece que ele construirá um palanque de terceira via local para o atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. O Eduardo é um dos principais políticos do Brasil, muito capacitado na gestão. Tem todas as condições para ser um dia governador ou presidente da República.