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'Derrota de Trump mostra que aposta em divisão nem sempre dá certo'

Postado às 06h00 | 06 Nov 2020

The Economist

Publicação inglesa de notícias e assuntos internacionais

Meses frenéticos de campanha, US$ 13,9 bilhões em gastos de propaganda, uma pandemia descontrolada e protestos de massa por causa de questões raciais: apesar de todo o suor e lágrimas, os Estados Unidos ainda tentavam determinar no momento em que era escrito esse texto se o próximo presidente seria mesmo Joe Biden ou se Donald Trump ainda conseguiria conquistar de alguma forma o segundo mandato. O Congresso deve ficar dividido entre uma câmara democrata e um senado republicano — mas até esse resultado pode permanecer em dúvida até um segundo turno em janeiro.

Nos próximos dias os políticos devem seguir o exemplo dos eleitores, que compareceram às urnas em proporções nunca vistas desde 1900 e fizeram sua escolha sem episódios de violência. A contagem de votos deve seguir até o fim e as disputas entre as campanhas devem ser resolvidas dentro da lei. A maior ameaça a esse quadro vem de Trump, que usou sua festa na noite da eleição para declarar falsamente que já tinha vencido, estimulando seus defensores ao dizer que estavam roubando sua vitória. Vindo de um homem que prometeu proteger a Constituição dos EUA, esse tipo de comentário foi um lembrete da razão que levou muitos, entre eles este jornal, a apelar ao eleitorado para que o repudiasse.

Uma vitória de Biden seria um primeiro passo crucial nessa direção. Nos 40 anos mais recentes, um presidente buscando a reeleição só foi derrotado uma vez. Calculamos que Trump será derrotado no voto popular por 52% a 47% — foi o peso desproporcional do eleitorado rural no colégio eleitoral que o salvou de uma derrota esmagadora. Podemos dizer que isso é uma forma de repúdio.

Uma Casa Branca de Biden também estabeleceria um tom completamente diferente. Os recados em maiúsculas no Twitter e o fomento constante das divisões partidárias ficariam para trás. O mesmo ocorreria com as negociatas em benefício próprio, as mentiras constantes e o uso de agências do governo para vinganças pessoais. Biden é um homem decente que, após o fechamento das urnas, prometeu fazer um governo de união. Sua vitória transformaria as políticas americanas em áreas que vão desde o clima à imigração. Podemos dizer que essa também é uma forma de repúdio.

Ainda assim, o resultado tão apertado da votação também significa que o populismo seguirá vivo nos EUA. Com essa eleição, ficou claro que a surpreendente vitória de Trump em 2016 não foi uma aberração, e sim o início de uma profunda mudança ideológica no seu partido. 

O mundo exterior, que acompanha atentamente a disputa, vai tirar duas conclusões do fato de os EUA não terem rejeitado o trumpismo de maneira mais decisiva. A primeira será entre nacionalistas populistas que se inspiram em Trump e agora calculam que esse tipo de política tem um futuro melhor também fora dos EUA. Uma retumbante derrota de Trump poderia indicar problemas para políticos como Jair Bolsonaro no Brasil e Marine Le Pen na França. Em vez disso, Nigel Farage, ex-líder do Partido do Brexit Party, está ocupado planejando seu retorno. A persistência do apoio a Trump indica que a rejeição da imigração, das elites urbanas e da globalização, que ganhou força após a crise financeira de 2008-2009, ainda não se esgotou.

A segunda conclusão diz respeito ao perigo de se depender dos EUA. Trump foi uma força que perturbou os assuntos internacionais, desprezando alianças e o multilateralismo. Biden, em comparação, conhece bem os valores tradicionais da diplomacia americana de seus tempos no Senado. Sem dúvida buscaria restaurar os laços de proximidade com os aliados e reforçar a governança global, permanecendo por exemplo na Organização Mundial da Saúde (OMS) e aderindo novamente aos acordos climáticos de Paris. Mas, após o resultado dessa eleição, todos sabem que tudo isso pode ser revertido novamente em 2024.

O panorama doméstico é mais complicado, mas contém lições para ambos os partidos — e para seu papel de liderança nos EUA. O recado mais duro é para os democratas. Seu fracasso em controlar o Senado significa que Biden terá dificuldade para aprovar leis e nomear juízes. Leis de reforma da infraestrutura, de reforma do sistema de saúde ou de proteção ao meio ambiente podem ser bloqueadas no congresso.

Esse fracasso reflete a incapacidade dos democratas de atrair eleitores brancos sem ensino superior, especialmente na zona rural dos EUA. Seu desempenho também foi inferior ao esperado entre jovens negros e o eleitorado hispânico na Flórida e no Texas. Essas derrotas enfraquecem a suposição dos democratas segundo a qual o fato de os EUA estarem se tornando menos brancos e mais suburbanos, sua vitória nas eleições seria questão de tempo. 

Os republicanos também têm lições a aprender. O trumpismo tem seus limites. Se eles bloquearem todas as leis apresentadas ao Senado para desacreditar Biden, teremos outro ciclo eleitoral em que o impasse e a lógica de soma igual a zero da divisão partidária impedirão os EUA de enfrentar seus problemas. Os republicanos dirão a si mesmos que desacreditar o sistema de Washington ajuda o partido que defende o Estado mínimo — por mais pantanoso que tenha sido o governo Trump. Trata-se de uma visão tão míope quanto cínica.

A lição do dia. Os eleitores negros e hispânicos que vieram apoiá-los essa semana indicam que os republicanos podem conquistar o apoio das minorias e os grupos étnicos não são blocos monolíticos. Os republicanos são seduzidos por seu próprio tipo perigoso de política identitária, que estimula temores brancos de um país multirracial. Seria melhor se fizessem uma defesa positiva do seu partido, buscando expandir seu eleitorado ao receber sua parte do crédito por medidas como leis de reforma da Justiça criminal.

Essa eleição mostrou novamente que os EUA são um país dividido. Muitos de seus políticos se dedicaram a fomentar as divisões, e ninguém apostou nisso mais do que Trump. Esperamos que a derrota dele sirva como lição, mostrando que essa estratégia nem sempre funciona

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