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Depoimento póstumo: Getúlio Vargas: “estou farto de políticos”

Postado às 05h22 | 05 Dez 2023

O conterrâneo Café Filho (direita), vice presidente da República, ao lado do presidente Getúlio Vargas

Ney Lopes

A Folha publicou anotações a mão do ex-presidente Getúlio Vargas, onde ele narra como passou de ditador a líder democrata.

O depoimento foi escrito de 1945 a 1949, período de reclusão e autoexílio, após a queda do Estado Novo.

A seguir transcrevem-se frases e textos sobre as inquietações do líder gaúcho.

Getúlio fez críticas contundentes a correligionários, manifestou desconfiança em relação à democracia e preparou o seu retorno como líder de uma democracia de massas.

Para a sua filha Alzira Vargas “são notas de um homem revoltado e consciente”.

Justificando ter deixado o poder voluntariamente, alegou que “precisava descansar e permitir que se fizesse a experiência de novo governo”.

Sobre o presidente Eurico Gaspar Dutra, cuja eleição em 1945 se deveu em grande parte ao seu apoio, ele anotou:

"Tive um engano. Eu sabia que ele era burro, mas pensava que tinha caráter".

O presidente Getúlio Vargas já havia feito duríssimo diagnóstico de Dutra, ao dizer: “Esse é um homem primário, instintivo, desconfiado, desleal, com ambições superiores ao seu merecimento e cercado por uma camarilha doméstica, civil e militar, que o domina sem contraste, falando ora em nome do povo, ora em nome do Exército, sem representar nem a um, nem a outro”.

Referiu –se a alguns plumitivos (termo pejorativo, escritor ou jornalista incipiente ou sem mérito), que o chamavam de ditador.

O que eles denunciam ditadura é tão melhor do que o que aí está, que o povo já começa a ter saudades. Não sou contrário à democracia. O que sempre afirmei é que a democracia não podia ser simplesmente política, mas também econômica. De que serve igualdade política, sem igualdade social? Julgo apenas que essa democracia que aí está é profundamente reacionária e anárquica” escreveu Getúlio.

Manifestou-se contra os excessos do liberalismo econômico:

Para eles democracia é a liberdade individual para os poderosos do dia fazerem o que entendem, oprimindo aos pobres e humildes ou, pelo menos, passarem indiferentes ante a penúria e o sofrimento alheios. Para eles, o Estado é um Estado polícia, que não deve intervir, senão para garantir os privilégios dos poderosos do dia”.

Getúlio teve sempre rejeição aos deputados Vitorino Freire (MA), a quem chamava de “cabrão”, e Armando Falcão (CE).

Ambos o traíram.

Ao assumir a presidência acusou-os de corrupção e instaurou inquéritos contra Vitorino ((negócios com o Banco do Brasil),  e Armando Falcão (presidente do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos).

Mesmo com essa folha corrida, o movimento militar de 1964 acolheu os dois políticos com honras e cargos importantes.

O período no qual Armando Falcão ocupou a pasta da Justiça foi marcado por um aumento substancial da censura no país, manchando as nossas tradições democráticas. 

Vitorino Freire dominou a política do Maranhão, por consentimento direto do general Geisel, de quem se dizia amigo há 44 anos.

Colocou em prática alta perseguição aos correligionários do seu adversário, José Sarney.

Já Armando Falcão, pontilhado de acusações de corrupção, foi o preferido do general Geisel para punir pessoas por suposta corrupção, nos casos em que inexistiam fundamentos para cassar por ser comunista.

Ele aplicou o AI 5 para atender pedidos de velhas lideranças, sobretudo do Nordeste.

No RN, ele atendeu ao senador Dinarte Mariz e governador Tarcísio Maia, cassando de uma só vez o ex-governador Cortez Pereira, oito auxiliares e amigos, sem culpa formada.

Nem  sequer haviam investigações acusatórias no órgão revolucionário contra os punidos.

O irmão de Cortez Pereira - Tarcísio Pereira - foi cassado por engano, quando nunca foi político.

O Banco do Brasil, onde era funcionário, reconheceu o equívoco e o reintegrou.

Puro despotismo de Armando Falcão, referendado pela Revolução, no pleno exercício do alto cargo de Ministro da Justiça, por incrível que pareça.

Em razão de sua longa vivência no governo, onde se deparou com o "mau caratismo"  de oportunistas, Getúlio nas suas anotações confessou: “Estou farto de política e de políticos”.

A propósito, ele dizia sempre: “desconfio do político que não pede nada. Geralmente, os que sentam à mesa sem apetite são os que mais comem”.

Sobre qualificação pessoal dos políticos sentenciou: “Tem gente capaz, o problema é que a maioria é capaz de qualquer coisa".

Texto publicado hoje no jornal AGORA RN

 

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