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De Jango@edu para Bolsonaro@gov

Postado às 06h43 | 04 Abr 2021

João Goulart escreve a Jair para contar sua experiência: "Porque ambos sentamos na mesma cadeira"

Elio Gaspari

Presidente,

Faz tempo, no dia de hoje, eu estava num aviãozinho Cessna pilotado pelo Maneco Leães, voando de minhas terras para Montevidéu. Pousamos, pedi asilo e só voltei ao Brasil em 1976, morto.

Escrevo-lhe porque vi que o senhor já falou em estado de sítio, um deputado da sua copa tentou aprovar uma medida parecida e há no seu pelotão o interesse de montar um dispositivo militar.

Não tenho simpatia por vossa figura e sei que a recíproca é verdadeira. Mesmo assim, escrevo-lhe para contar minha experiência, porque ambos sentamos na mesma cadeira.

Estado de sítio, eu também tentei, em outubro de 1963. Parecia boa ideia, e a Central Intelligence Agency disse ao presidente John Kennedy que o comandante do Exército e “a maioria dos militares provavelmente apoiariam as medidas fortes”. Estávamos enganados, a proposta do estado sítio naufragou e tive que retirá-la.

Dias depois, empossei na chefia da Casa Militar o general Assis Brasil. Desde o primeiro momento, ele se dedicou a montar um dispositivo de apoio militar ao governo. Como ele trabalhava no palácio, era o único general que eu via todos os dias. Considerava seu dispositivo “imbatível”. No início de março de 1964, ele dizia que seu esquema “se não é perfeito, é pelo menos o melhor de quantos já se armaram neste país”.

No dia 30, o Tancredo Neves não queria que eu fosse à reunião de sargentos do Automóvel Clube, mas o general disse que eu devia ir. Quando o Mourão Filho se rebelou, o Assis Brasil achou que dominava a situação. Fomos juntos para Brasília, e de lá para Porto Alegre. Aos poucos, nos demos conta da gravidade da situação. O dispositivo do general só existia na cabeça dele. Na madrugada do dia 2 de abril, eu estava deposto. Para não ser preso, fui para São Borja, e o general voou comigo. Seguimos para um rancho perdido nas margens do rio Uruguai. Lá eu cozinhei um ensopadinho de charque com mandioca. No dia seguinte, há exatos 57 anos, voamos com o Maneco para Montevidéu.

Depois desembarcamos, ele me disse:

“Sou soldado e tenho de me apresentar. Não quero ser considerado um desertor. Vou avisar ao ministro da Guerra que vou voltar”.

O Assis Brasil voltou, ficou preso por três meses. Tempos depois, cassado, ele foi me visitar em Montevidéu, mas a Maria Tereza destratou-o e ele foi embora.

Outro dia, no churrasco de aniversário do Getúlio Vargas, o general Golbery me contou que, em 1980, quando estava na chefia da Casa Civil, recebeu uma carta do Assis Brasil pedindo a transferência de um amigo para Porto Alegre. Foi atendido.

Eu nunca tentei entender como o general do meu palácio armou aquele dispositivo “imbatível”, mas acho que o senhor não deve pensar nesse tipo de armação. Eu aprendi que quanto mais perto do presidente uma pessoa está, mais longe da realidade ela vive.

Respeitosamente,

João Goulart

Esperança

O general Braga Netto aceitou o Ministério da Defesa com uma frase:

“Missão dada, missão cumprida.”

Faria melhor se dissesse “missão dada, missão aceita”.

Grandes generais aceitaram missões e foram batidos.

Fritando, fritaram-se

O serpentário do Planalto aprendeu uma lição. Durante dois dias, fez circular a fofoca segundo a qual o general Fernando Azevedo havia sido demitido porque havia defendido seu colega Paulo Sérgio.

O chefe do Departamento Geral do Pessoal havia dado uma entrevista ao repórter Renato Souza mostrando a boa qualidade da prevenção sanitária praticada no Exército: uma letalidade de 0,13% na tropa, contra 2,5% no país.

Era pura malvadeza. O general só havia mostrado que no seu quadrado as coisas funcionavam.

Na quinta-feira, Bolsonaro nomeou o general para o comando do Exército.

Na fila

O doutor Ricardo Salles esteve perto da frigideira, mas escapou.

Ficou com nova data de validade, e ela expira no dia 1º de novembro. Essa é a data da abertura da conferência das Nações Unidas para discutir mudanças climáticas, a ser realizada em Glasgow, na Escócia.

Com Salles no Ministério do Meio Ambiente, qualquer esforço para reduzir a queimada da imagem do Brasil será mero exercício de enxugamento de gelo.

Frick collection

O acervo da Frick Collection, de Nova York, mudou-se temporariamente para o prédio modernoso que abrigou o Whitney Museum. Um desastre. O exibicionismo arquitetônico abafou o ar doméstico que a casa do milionário Henry Frick oferecia.

A Frick era o museu onde Paulo Francis se abrigava na caminhada até o Metropolitan, depois de almoçar no Bravo Gianni. No inverno, aquecia-se. No verão, refrescava-se.

Em tempos de pandemia, a Frick oferece um site de alta qualidade para visitas virtuais. Além disso, toda sexta-feira tem palestras com um curador falando de uma peça. Está no ar uma apresentação do monumental autorretrato de Rembrandt.

(Infelizmente, em inglês, felizmente, com a opção de legendas.)

Retrato de uma elite

A elite mineira já deu ao Brasil os inconfidentes do século XVIII e os signatários do manifesto contra a ditadura do Estado Novo, em 1943. Com a pandemia, a repórter Thais Bilenky mostrou que uma patota foi arrebanhada para uma garagem dos empresários de transporte Robson e Rômulo Lessa, transformada em posto clandestino de vacinação.

Os maganos pagavam R$ 600 pelo imunizante, e a Polícia Federal acha que o fármaco era falso. Bem feito.

Guedes, Maia e Lira

O doutor Paulo Guedes precisa revisitar a origem de suas dificuldades com o deputado Rodrigo Maia enquanto ele presidiu a Câmara.

Se fizer isso direito, evitará encrencas com Arthur Lira.

O modelo Biden

Joe Biden entrou na Casa Branca em janeiro. Prometeu vacinas e entregou. Anunciou um auxílio emergencial e entregou. Apresentou um projeto de reconstrução da infraestrutura do país e talvez entregue.

Até aí, seria apenas um reflexo da qualidade da máquina administrativa americana.

A grande diferença entre o atual presidente, o doidivanas que o antecedeu e alguns similares espalhados mundo afora está em outro lugar: Biden não se meteu em brigas inúteis e despropositadas.

Aviso chinês

Com a devida discrição, sem deixar rastro nas formalidades diplomáticas, a China avisou ao governo brasileiro que, enquanto Ernesto Araújo estivesse no Itamaraty, seria impossível evitar o aparecimento de entraves burocráticos no fornecimento de vacinas.

Estatística

Quem está na linha de frente do combate à Covid sabe há semanas que abril será o pior mês da pandemia.

Com a média móvel passando dos três mil mortos por dia, vale lembrar que no dia 6 de junho de 1944, quando os Aliados desembarcaram na Normandia, o número de mortos ficou em 4.414.

A “gripezinha” estava no “finzinho”, e a segunda onda era “conversinha”.

 

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