Postado às 05h25 | 22 Mai 2021
A intenção deste artigo é analisar limites dos poderes de investigação das CPIs, que são próprios das autoridades judiciais.
Não existe o propósito de ferir a autonomia e liberdade dos senadores, nem restringir a investigação parlamentar, que se caracteriza como corolário da democracia.
As observações são feitas, apenas em função da experiência do autor, que conviveu seis legislaturas no Congresso Nacional, inclusive relatando e participando de CPIs controvertidas.
O Parlamento deve dar o exemplo, agindo com base na legalidade e acima das paixões e exacerbações políticas, para adquirir credibilidade na defesa das instituições.
Atualmente, a CPI da Covid atrai as atenções nacionais.
Dois episódios ocorridos merecem análise à luz da Constituição e legislação infraconstitucional.
São eles: as repetidas ocasiões, em que “membros da CPI”, durante e após as sessões, dirigem o epíteto de “mentiroso” às testemunhas inquiridas.
De outra parte, em episódio isolado, o senador Flávio Bolsonaro (que não é membro da CPI) provocou o relator Renan Calheiros, chamando-o de “vagabundo”.
Chamar alguém de mentiroso é o mesmo que enganador, falsário, fingido.
Vagabundo é o ocioso, não trabalha, malandro.
Uma e outra expressão são absolutamente incabíveis no plenário de uma CPI, partindo de quem componha a mesa diretiva dos trabalhos, membros, ou eventuais parlamentares visitantes.
A respeitada jurista, desembargadora Suzana de Camargo Gomes (TRF da 3ª Região), opinou, com precisão e autoridade, sobre o papel do Juiz, aplicável subsidiariamente às CPIS, na hipótese da testemunha, ou indiciado ser tido como mentiroso:
“No tocante à testemunha mentirosa, não deve o juiz discutir, lançar impropérios, irritar-se; deve, isto sim, ter em primeiro lugar a certeza de realmente ter havido a inverdade, e isto somente será possível depois de muitas perguntas a respeito dos detalhes que cercam os fatos”.
O importante é saber ouvir.
A obrigação de falar a verdade para a testemunha, significa explicar as razões do que declara e o contexto das circunstâncias em que ocorreram os fatos.
Não é admitido colocar a testemunha diante do dilema de “sim” ou “não”, pois ela tem o direito de explicar o que considera fundamental, cabendo ao julgador averiguar, se existe adequação entre o que diz e a realidade.
A primeira regra de um depoimento é a objetividade da testemunha, que não pode se manifestar subjetivamente sobre os fatos a respeito dos quais depõe, emitindo opiniões pessoais sobre os mesmos.
No caso da CPI, o relator e membros devem comparar as declarações com as provas colhidas e firmarem convicção ao final.
Ainda sobre acusações de que a testemunha é mentirosa, antes da finalização da colheita de provas, os tribunais vão muito além e entendem à unanimidade, que a testemunha, deixando de revelar fatos que possam incriminá-la, não configura crime.
A Constituição não protege declarações, opiniões, ou palavras, que exponham a testemunha pela prática de presumido crime, nem autoriza a utilização de expressões "degradantes", humilhando o depoente perante a opinião pública (art. 5º, III, da Constituição Federal).
O direito à livre manifestação do pensamento parlamentar, embora reconhecido e assegurado, não se reveste de caráter absoluto, nem ilimitado, que autorize acusar terceiros de crime, antes dos procedimentos legais.
Para o professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, Pedro Estevam Serrano, o crime de falso testemunho, que é próprio da testemunha, só pode ser imputado ao fim do processo, quando é possível julgar se a testemunha mentiu ou não.
No caso da ofensa do senador Eduardo Bolsonaro ao deputado Renan Calheiros, com a imputação de vagabundo, cabe ao ofendido, caso deseje, iniciar o devido processo legal, perante a própria casa legislativa, por infração ético-disciplinar, em decorrência de conduta incompatível com o decoro, além da apuração de crime contra a honra.
Por fim, a lei 13.869/19, que dispõe sobre crimes de abuso de autoridade, proíbe na fase investigativa de ação, ou de CPI, dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada” (detenção de 6 meses a 2 anos e multa).
Cabe deixar claro, que as observações feitas não imputam acusações contra os integrantes da atual CPI da Covid.
Apenas, pondera que a CPI pode muito.
Mas, não pode tudo!
Acesse: