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Covid-19: Milhões de norte-americanos recorrem a instituições para comer

Postado às 06h32 | 08 Dez 2020

Jornal português

Milhões de norte-americanos conheceram este ano pela primeira vez a necessidade de recorrer a instituições de solidariedade para comer, consequência do desemprego que subiu em flecha devido ao confinamento decretado para mitigar a pandemia de covid-19.

Aaron Crawford, de 37 anos, é um dos milhões de cidadãos dos Estados Unidos da América (EUA) cuja vida foi completamente alterada pela pandemia. Este norte-americano procurava emprego e a mulher aguardava por uma cirurgia quando o SARS-CoV-2 começou a assolar o país.

Sem poupanças, a família Crawford começou a acumular dívidas. À Associated Press (AP) expressaram a preocupação que começaram a sentir, uma vez que têm dois filhos, de 5 e 10 anos, e as caixas de macarrão e queijo que compravam na “loja do dólar” não eram, sequer, uma solução a curto prazo.

A única alternativa, em desespero, foi recorrer a instituições de solidariedade, mas a decisão deixou Aaron Crawford desconfortável.

“É tudo um estigma (…), este pensamento de que sou aquele homem que não consegue providenciar [comida] para a família, que é um caloteiro”, explicou o antigo militar da Marinha dos Estados Unidos.

Contudo, Aaron Crawford não é exemplo único. A fome já assolava os EUA muito antes de a pandemia atingir o país.

Até nos momentos de maior prosperidade para a economia norte-americana, escolas a distribuírem refeições quentes a crianças era um cenário que se replicava por todo o lado. E o problema não é exclusivo de famílias com filhos pequenos.

Há milhões de cidadãos idosos que se veem forçados a escolher entre a medicação de que necessitam e comida.

A pandemia veio adensar este flagelo. Com o aumento do número de pessoas internadas, uma parte substancial nos cuidados intensivos, e do desemprego, milhões de norte-americanos olham agora para os frigoríficos vazios e para a impossibilidade de os encher.

De acordo com uma análise feita pela AP, as associações responsáveis pela distribuição de refeições estão a trabalhar a um ritmo cada vez maior, mas não é suficiente para compensar o número cada vez maior de pessoas em situação de pobreza.

Há também relatos, cada vez mais frequentes, de pessoas que prescindem de várias refeições para as disponibilizar para os filhos.

As pessoas que estão na ‘linha da frente’ do combate à fome nos EUA partilham uma opinião: nunca viram nada assim, nem mesmo durante a recessão de 2007/2009.

A família Crawford recorreu aos Centros de Recursos Familiares e às Prateleiras de Comida, organizações que pertencem a uma rede de 360 comunidades, a 15 minutos de onde vivem, em Apple Valley, no Minnesota.

Sempre que precisam, recebem caixas mensais de produtos frescos, laticínios, mercearia, carne e outros bens de necessidades básicas — o suficiente para encher dois carrinhos de supermercado. Se ficarem sem comida, poderão ainda recorrer a uma ‘caixa de emergência’ para se sustentarem até ao final do mês.

Este cenário é semelhante ao de milhões de famílias norte-americanas, entregues a organizações não-governamentais e, por vezes, à solidariedade da vizinhança.

Foi Sheyla, a mulher de Aaron, que insistiu para procurarem ajuda. No entanto, o marido, com vergonha, receou encontrar alguém conhecido. Uma ideia que reconhece ser errada e que atribuiu, novamente, ao estigma.

“[Ir buscar comida a instituições] não fazia de mim um homem mau ou um marido e pai terrível. Pelo contrário, estava, na realidade, a fazer alguma coisa para garantir que a minha mulher e filhos (…) tinham comida”, prosseguiu.

A história de Aaron Crawford e da família é mais um registo na história de pobreza e de luta contra a fome nos Estados Unidos. Junta-se aos registos de, por exemplo, a Grande Depressão, no século passado, de que ficaram na memória as longas filas de homens que aguardavam para comer um pouco de pão. E, nesta memória coletiva de pobreza, há também um cartaz onde é possível ler “Sopa grátis. Café e dónutes para os desempregados”.

A imagem agora é diferente, mas o paralelismo existe.

Longas filas de automóveis, cuja extensão real apenas é visível com imagens captadas por drones. Filas que dão a volta a quarteirões em cidades como Nova Iorque. Quem aguarda nestas filas pode esperar horas até receber as caixas ou sacos de comida.

O cenário é assim de uma ponta à outra do país. Depois de recolhida a comida é preciso racionar, porque a próxima ajuda, para muitos, poderá apenas chegar no início do próximo mês.

 

 

 

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