Postado às 06h04 | 19 Mar 2020
Em seu segundo e mais recente pronunciamento à nação desde que Cingapura registrou o primeiro caso de infecção pelo coronavírus, na semana passada, o primeiro-ministro Lee Hsien Loong foi categórico: “A situação permanece sob controle. (...) Não estamos trancando nossa cidade como os chineses, sul-coreanos ou italianos fizeram”. Desde o fim de janeiro, quando foi registrado o primeiro caso positivo, Cingapura viu sua posição na crise mundial ir do país com mais casos fora da China, em fevereiro, para a 19ª posição, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 12 de março
A cidade-Estado recebeu, junto a Hong Kong, elogios públicos do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Até o último domingo, eram 212 casos, 105 deles recuperados e nenhuma morte. Apesar de alguns escritórios terem optado pelo home office, a vida do cidadão não parou, resultado de uma combinação de fatores: uma ação oficial rápida, regras duras de controle de fronteiras e de pontos turísticos e muito investimento em saúde.
O baixo uso de máscaras é resultado, na verdade, de um pedido do governo, que viu todas elas acabarem quando o surto começou — bem como o arroz, o macarrão instantâneo (os noodles), o papel higiênico e os preservativos. O primeiro-ministro foi então aos meios de comunicação informar que o governo forneceria quatro máscaras por família, mas elas deveriam ser utilizadas apenas por doentes
Esse é um dos motivos que levam o país a manter o vírus sob controle: a cidade-Estado é conhecida pelas regras duras e gestão draconiana. Quem é diagnosticado e quebra a quarentena fica sujeito a uma multa de 10 mil dólares de Cingapura (cerca de R$ 33 mil) e seis meses de prisão. Além do mais, um grande senso de coletivismo, um número reduzido de habitantes — 5,6 milhões — e um dos melhores sistemas de saúde do mundo garantem a fórmula do sucesso, difícil de ser replicada.
Passeando com a filha no parque, o advogado Donny Low, 39 anos, conta que continua a ir ao trabalho de transporte público. Apenas a mulher, grávida, trabalha de casa.
— O governo disse à população especificamente que não é necessário usar máscaras. Além disso, Cingapura teve alguns surtos há cerca de três semanas, e por causa da forma como o governo reagiu, acho que as pessoas se sentiram confiantes de que, se houver mais surtos, será controlado. E temos um sistema de saúde muito bom aqui, as pessoas estão confiantes.
O sistema híbrido de saúde cingapuriano, entre o público e o privado, foi eleito em 2018 como o segundo mais eficiente do mundo pelo Bloomberg Health-Efficiency Index. A mesma instituição apontou o país como o quarto mais saudável do mundo em 2017.
Investimento em tecnologia de ponta garante ainda que ninguém com temperatura corporal elevada entre no país: no aeroporto e na entrada dos principais pontos turísticos câmeras sensíveis à temperatura corporal controlam quem entra. Na entrada de prédios, escolas e restaurantes, um termômetro manual e sensível à aproximação com a pele, sem toque, garante que ninguém que entre esteja febril.
pesar de o governo dizer que a cidade não está fechada, quem esteve na China, Coreia do Sul, Irã e, a partir do dia 15, Itália, França, Espanha e Alemanha, nos últimos 14 dias está impedido de entrar. Mais recentemente, foi determinada quarentena a pessoas vindas do Reino Unido, Malásia, Filipinas, Indonésia, Brunei, Camboja, Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnã.
A proibição de viajantes é o que tem afetado mais visivelmente a paisagem cotidiana da cidade. A piscina com borda infinita do hotel Marina Bay, que comporta cerca de 2 mil pessoas, funcionava, na última semana, com um quinto de sua capacidade. O famoso Templo da Relíquia do Dente de Buda, marcado por enormes filas, estava vazio no último sábado.
O impedimento do turismo chinês, sobretudo, é o que mais afeta a cidade: em 2019, 3,6 milhões dos 19 milhões de turistas que estiveram em Cingapura eram chineses.
As multidões foram desencorajadas e, sobretudo, os cultos religiosos. Todas as 70 mesquitas ficarão fechadas até 26 de março, e a procissão do festival hindu Panguni Uthiram também foi cancelada.
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Para o especialista em saúde pública da Universidade Nacional de Cingapura Teo Yik Ying, um dos pontos-chave foi a estratégia de comunicação. Para ele, o governo agiu corretamente ao “preparar o terreno”, ou seja, a população não foi poupada das informações:
— Se entre 60% e 80% da população serão infectados, é melhor comunicar isso de forma transparente e responsável. Sabemos que não há mortes. Isso vai se manter? Não acho. Nem eu, nem o governo. Estão preparando o terreno ao dizer que é inevitável.
A estratégia é motivo de orgulho nacional.
— O que faz Cingapura diferente é que nós temos confiança uns nos outros, sentimos que estamos todos nessa juntos e não deixaremos ninguém para trás — disse o premier.
Um dos melhores sistemas de saúde do mundo
Cingapura foi eleita pelo Bloomberg Health-Efficiency Index o 2º sistema de saúde mais eficiente do mundo. Em 2000, a OMS listou a cidade-Estado como a 6ª melhor saúde do mundo.
Termômetros, muitos termômetros
Aeroportos e pontos turísticos contam com câmeras sensíveis ao calor corporal. Escolas, restaurantes e prédios residenciais medem a temperatura de todos os entrantes.
Controle de fronteiras
Viajantes que tenham estado, nos últimos 14 dias, em China, Coreia do Sul, Irã e, mais recentemente, em Itália, França, Alemanha e Espanha estão proibidos de entrar no país.
Dimensões reduzidas
Uma cidade-Estado de apenas 5,6 milhões: o governo tem uma área muito reduzida de atuação.
Sem multidões
O governo desestimula multidões, sobretudo aglomerações religiosas, um dos grandes focos de contágio recente na Ásia. Mesquitas estão fechadas depois de um surto pós-culto na Malásia, e as igrejas católicas seguem a orientação de evitar aglomerações.
Regras duras e multas altas
Quem for diagnosticado com coronavírus, com quarentena recomendada, e circular pela cidade fica sujeito a multa de SGD 10 mil (mais de R$ 35 mil) e a seis meses de prisão.
Cuidado com desemprego
Para evitar que as pessoas sigam trabalhando mesmo doentes ou que, posteriormente, sejam demitidas, o governo paga 100 dólares d e Cingapura/dia aos trabalhadores autônomos ou aos empregadores de assalariados que foram afastados de seus empregos após terem sido contaminados. O mesmo já havia sido feito na SARS. (Globo)