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Coronavírus provoca crise econômica mais severa do que a de 2008

Postado às 07h05 | 30 Mar 2020

O dia 15 de setembro de 2008 entrou para a história do mercado financeiro. Naquela data, bolsas de valores despencaram com a falência de um dos grandes bancos de investimento dos Estados Unidos, o Lehman Brothers. Principal face da crise à época, o colapso da instituição é apontado como um dos reflexos da bolha imobiliária formada no país. Depois de chacoalhar o mercado financeiro, a turbulência se espalhou por diversos setores, e o Brasil não ficou imune à onda de preocupação.

Menos de 12 anos depois, a economia nacional volta a ser abalada por uma crise nascida no Exterior. Desta vez, é um problema sanitário, a pandemia de coronavírus, que coloca em xeque a atividade. A questão é que, segundo analistas, o choque nos negócios tende a ser bem mais severo agora do que o registrado entre 2008 e 2009. Diante da situação, espera-se que o governo Jair Bolsonaro intensifique medidas para tentar diminuir as perdas nos próximos mese

Nos últimos dias, o Brasil recorreu ao isolamento da população para frear o avanço do coronavírus, que teve início na China. Com lojas e indústrias fechadas e menos gente circulando nas ruas, o faturamento das empresas desaba, o que ameaça empregos e pode jogar o país de volta à recessão. Ou seja, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro voltaria a cair após três anos de elevações na casa de 1%.

– A crise atual é muito mais profunda do que a de 2008. Aquela surgiu no mercado financeiro e espalhou-se pela economia real. A crise de agora é diferente. Há falta de demanda e oferta, já que as empresas e os consumidores têm de parar – sublinha o economista e professor da Unisinos Marcos Lélis, especializado na análise do cenário internacional.

Antes de o coronavírus desembarcar no Brasil, analistas projetavam alta de cerca de 2% do PIB em 2020. Com a chegada da pandemia, as estimativas desmoronaram. O governo federal passou a prever variação positiva de apenas 0,02%.

Diretor-geral da Fator Administração de Recursos, o economista Paulo Gala reconhece que incertezas relacionadas ao alcance do problema sanitário dificultam projeções neste momento. Apesar disso, afirma que, se o país não intensificar ações para diminuir os danos, o PIB pode desabar pelo menos 5% em 2020.

– A projeção representa quase um chute. A situação é dramática. Hoje, para evitar a transmissão da doença, é necessário, basicamente, destruir a atividade econômica. É preciso pedir para a população ficar em casa, o que é correto. O governo tem sido bastante tímido nas ações para diminuir perdas. Muitas empresas não vão aguentar dessa forma, especialmente as pequenas e médias – analisa Gala.

Na crise de 2008, o Brasil atravessava momento fiscal mais confortável do que em 2020. Mesmo assim, analistas de diferentes linhas de pensamento ressaltam que o governo Bolsonaro tem de aumentar gastos públicos para mitigar os efeitos do coronavírus na economia. 

O próprio Planalto reconheceu a necessidade de elevar as despesas ao pedir ao Congresso a aprovação do estado de calamidade pública. A medida, já aprovada pelos parlamentares, garante a possibilidade de descumprimento da meta fiscal neste ano, de até R$ 124,1 bilhões.

– Sou um economista liberal, acredito que o Estado deve ter papel menor na economia, mas não tem outro jeito neste momento. O governo tem de entrar e tentar salvar as empresas e os empregos – comenta o economista Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Embora o pânico tenha tomado conta do mercado financeiro em 2008, o PIB nacional subiu 5,1% à época. Em outubro daquele ano, com a economia nacional ainda fortalecida, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou atenção ao dizer que, se o "tsunami" iniciado nos Estados Unidos chegasse ao Brasil, seria apenas uma "marolinha" em solo verde-amarelo.

Os maiores problemas da crise foram sentidos no ano seguinte. Em 2009, o PIB teve retração de 0,1%. Depois, em 2010, impulsionado por estímulo ao consumo das famílias, saltou 7,5%.

– A crise de 2008 se diferencia da atual, principalmente em sua origem. Estava relacionada a questões financeiras, de crédito. Em episódios assim, a literatura econômica recomenda baixa no juro e compra de títulos para acalmar o mercado. O mundo sabia o que era preciso ser feito. A crise de agora não está ligada a crédito. A origem é um vírus que fez os governos paralisarem a atividade econômica, provocando choque de oferta – pontua o economista-chefe da Vokin Investimentos, Igor Morais.

Especialistas defendem mais gasto público

O governo Jair Bolsonaro anunciou diversas ações para amenizar o baque econômico causado pelo coronavírus. Especialistas avaliam que é preciso buscar mais opções para atenuar perdas de empresas e famílias. Até o momento, o plano do governo inclui apoio financeiro a trabalhadores informais, prorrogação do prazo de pagamento de tributos e empréstimos a pequenas e médias empresas.

Diretor-geral da Fator Administração de Recursos, o economista Paulo Gala sugere ao governo "turbinar" programas sociais já existentes, como o Bolsa Família. Na quarta-feira, Bolsonaro liberou R$ 3 bilhões para a iniciativa.

Na visão de Gala, o BNDES também deveria ser "mais agressivo" ao oferecer linhas de financiamento para empresas com condições mais atrativas. No último dia 22, o banco anunciou pacote de R$ 55 bilhões para auxiliar no combate ao coronavírus.

– O governo, até agora, foi muito tímido nas ações. Não temos tempo hábil – diz Gala.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Marcel Balassiano concorda com a leitura de que as ações iniciais devem focar nas camadas mais desfavorecidas da população:

– A crise de agora preocupa mais do que a de 2008. As medidas devem ter foco nos mais pobres.

Professor da Unisinos, Marcos Lélis considera que o governo poderia buscar novas opções para financiar parte da folha de pagamento das empresas. Nesta sexta-feira (27), o governo anunciou linha de crédito emergencial para pequenos e médios negócios, para ajudá-los a quitar salários de funcionários por dois meses. Para Lélis, a medida pode ajudar, mas é "insuficiente" diante do tamanho da crise.

Economista-chefe da Vokin Investimentos, Igor Morais avalia que, se a maior parte da indústria e do setor de serviços permanecer parada nas próximas semanas, o governo terá de elevar gastos e "poderá comprometer o crescimento futuro". Outra opção, diz Morais, seria o poder público buscar, com base em indicadores populacionais, o isolamento do grupo de risco ao coronavírus, formado principalmente por idosos. Na opinião do economista, a operação seria viável, mas exigiria um "exercício de guerra".

Conforme o governo federal, as ações anunciadas para reduzir prejuízos no país chegaram, até quarta-feira, a R$ 306,2 bilhões – cerca de 4% do PIB brasileiro (R$ 7,3 trilhões). Os EUA, a maior economia do mundo, chamaram atenção ao confirmar plano de socorro de US$ 2 trilhões (cerca de R$ 10 trilhões e 10% do PIB local).

 

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