Postado às 05h52 | 25 Abr 2020
Folha
O ministro Paulo Guedes (Economia) partiu para o ataque contra Rogério Marinho, ex-secretário especial de Previdência e Trabalho e ministro do Desenvolvimento Regional. Eles eram aliados.
Contrariado com o que chama de delealdade, Guedes alertou Jair Bolsonaro e o ministro Braga Netto (Casa Civil) para o fato de que o programa Pró-Brasil não sairá do papel. O plano não avança pelo menos da forma como foi apresentado.
O ministro da Economia se indignou com as articulações de Marinho. Com a crise do coronavírus, o ex-parceiro de Ministério da Economia, responsável por coordenar a reforma da Previdência, passou a procurar colegas de Esplanada, especialmente militares. Nas conversas, Marinho dizia que “era hora da gastança”.
Essa estratégia seria uma forma de estimular a economia em meio à crise do coronavírus. Guedes então se viu então duplamente traído.
Primeiramente, porque, até horas antes do anúncio do plano de retomada, não havia sido consultado.
A gota d’água, no entanto, foi a proposta de Marinho. O ministro do Desenvolvimento Regional prevê 21 mil empreendimentos, a um custo total de R$ 185 bilhões até 2024.
Desse total, são R$ 157 bilhões em novas obras. A ideia seria complementar o Orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional em R$ 33 bilhões —dos quais R$ 7 bilhões a mais neste ano.
Para Guedes, a manobra seria uma tentativa de Marinho de se cacifar ao lado de Bolsonaro e militares. Estariam no horizonte, na visão dele, voos mais altos, como até tomar sua cadeira.
À Folha Marinho negou estar distante de Guedes.
“Só se ele estiver de mim. Eu não”, afirmou. Ele reconheceu, porém, possíveis desacordos. “Se existirem divergências, elas são de visões de Estado, ou algo parecido. Nada pessoal”, disse.
A irritação de Guedes com Marinho ocorreu porque, conhecedor da situação orçamentária e fiscal por tocar a reforma da Previdência, ele não poderia ter apresentado um plano bilionário com dinheiro novo. Mesmo assim, o chefe da Economia se mostrou aberto ao debate sobre o Pró-Brasil —que, até agora, não apresentou prioridades, cronograma efetivo e obras a serem executadas.
O programa, no entanto, para Guedes, é um novo “PAC da Dilma” —referência ao Programa de Aceleração do Crescimento capitaneado pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em conversas com Bolsonaro e Braga Netto ocorridas na quinta-feira (23), Guedes obteve sinalização de que o Pró-Brasil será submetido ao crivo do Ministério da Economia.
Guedes até concorda com que obras públicas sejam aceleradas. Mas ele não aceita uma conta que, de partida, prevê mais R$ 215 bilhões no Orçamento no momento em que as despesas bateram em 90% do planejado.
Para o ministro da Economia, isso levará o país à insolvência no pós-crise, o que inviabilizaria a retomada.
Nas análises preliminares da equipe econômica, sem a confirmação do plano de obras e sem a demissão de Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), a curva futura de juros estava em 2,5%, ante uma taxa básica (a Selic) de 3,75% ao ano.
Moro se tornou ex-ministro e provocou uma crise política que afetou o mercado. Caso o Pró-Brasil seja viabilizado como está, o Copom (Comitê de Política Monetária) será obrigado a elevar os juros.
Para Guedes, o custo de capital no país ficará muito maior. Isso frearia qualquer tentativa de atrair capital estrangeiro para o programa de concessões ou investimentos diretos.
Técnicos do governo já ressaltam a mudança na direção do ministério de Marinho, com abandono de uma pauta liberal. O titular, contudo, chegou lá com apoio de Guedes, um liberal convicto.
Inicialmente, os dois estavam alinhados. Discutiram até a reformulação do Minha Casa Minha Vida.
A ideia era criar um programa habitacional com baixo custo para os cofres públicos por meio da regularização de bairros carentes. As famílias ganhariam a escritura e registro de suas propriedades.
Com o documento de posse, os beneficiários do programa poderiam também ter acesso a recursos do governo para fazer melhorias nas casas.
Mesmo agora, com o viés de expansão das despesas públicas, Marinho mantém a proposta. No entanto, ele passou a defender obras de mobilidade, saneamento (mercado que Guedes defende abrir para o setor privado) e gestão de recursos hídricos, como barragens e adutoras no Nordeste, região onde o governo tem pouco apoio político.
Esse tipo de ação é comumente usado em negociações com o Congresso por meio de liberação de emendas parlamentares. Nesses casos, deputados e senadores se tornam padrinhos das obras.
Nesta sexta-feira (24), o Palácio do Planalto amenizou o conflito com a Economia. Braga Netto, a quem Bolsonaro delegou o Pró-Brasil, reafirmou o compromisso do país com o teto de gastos.
A regra, definida em lei, estabelece critérios para o crescimento das despesas. Elas só podem ser corrigidas pela inflação do ano anterior.
No contexto da pandemia, Guedes entende que parte da agenda liberal teve de ser suspensa para que seja resolvido o problema emergencial do novo coronavírus.
Para isso, ele aceita, por exemplo, os argumentos apresentados pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que pretende aumentar os gastos com obras, mas dentro do teto estabelecido.
Quem acompanhou as conversas afirma que a ideia de Tarcísio é remanejar recursos da Infraestrutura. Ele espera ainda uma complementação de R$ 10 bilhões por ano ao longo de três anos.
Com algum esforço, esse plano poderia ser avaliado, dentro dos limites estabelecidos pela regra do teto —que autoriza o aumento de despesas só para investimentos.
Marinho foi além, contudo, ao propor o aumento de gastos, na visão do time de Guedes.