Postado às 04h43 | 03 Jun 2020
As duras críticas recentes do ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a ameaça do Palácio do Planalto de apresentar pedido de suspeição contra o magistrado se contrapõem à mudança de estratégia do governo em relação a outro algoz no STF, Alexandre de Moraes.
Após atacar Moraes por ter impedido a posse de Alexandre Ramagem no comando da Polícia Federal e por ter determinado operação policial contra seus apoiadores, o chefe do Executivo participou, nesta terça-feira (2), da posse do ministro do STF como membro titular do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Moraes também fez um gesto em direção ao Executivo e classificou como amigos os generais que compõem a Esplanada dos Ministérios.
Ainda na tentativa de buscar uma trégua, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, fez uma visita à residência de Moraes em São Paulo no fim da tarde de segunda-feira (1º), conforme revelou a GloboNews, um dia depois de participar de manifestações que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.
A conversa, segundo interlocutores dos ministros, foi amistosa, e Azevedo procurou botar panos quentes na disputa entre os Poderes.
Bolsonaro e aliados deram outra sinalização interpretada como bandeira branca ao Judiciário.
Além do presidente, ao menos cinco ministros participaram, por videoconferência, da posse no TSE, entre eles os generais Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), além de Azevedo e Silva.
Na cerimônia, apenas o presidente da corte eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, fez um breve discurso, com um resumo da carreira de Moraes e elogios à sua atuação.
Logo em seguida, já na sessão de julgamentos do TSE, Barroso comentou que a solenidade foi "muito prestigiada, inclusive com o presidente da República e uma bancada de generais".
Moraes concordou. "São todos meus amigos generais desde as Olimpíadas, que nós cuidamos na segurança no Rio de Janeiro", afirmou em referência aos jogos realizados em 2016, quando era ministro da Justiça.
Por outro lado, a estratégia de ataque a Celso de Mello segue a mesma, apesar de ainda não haver decisão sobre o eventual pedido de suspeição do magistrado no inquérito relatado por ele e que apura a acusação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro de que Bolsonaro desejava interferir na Polícia Federal.
Depois de enviar a colegas um texto em que compara o Brasil de Bolsonaro à Alemanha de Adolf Hitler, Celso manteve o tom elevado no despacho em que rejeitou a apreensão do celular do presidente.
Apesar de a decisão ter sido favorável a Bolsonaro, o decano do STF mandou duros recados ao Planalto e rebateu a afirmação do presidente de que "ordens absurdas não se cumprem".
"A insólita ameaça de desrespeito a eventual ordem judicial emanada de autoridade judiciária competente, inadmissível na perspectiva do princípio da separação de Poderes, se cumprida, configuraria gravíssima transgressão, por parte do presidente, da supremacia da Constituição", escreveu Celso.
O decano avisou ainda que não haverá recuo por parte do STF, que "não transgredirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo prevalecer os valores da ordem democrática".
Celso também alertou que nenhum dos três Poderes pode "submeter a Constituição a seus desígnios".
No Planalto, auxiliares do presidente avaliaram, sob condição de anonimato, que a situação está momentaneamente mais calma, uma vez que Bolsonaro não precisou entregar o celular.
No entanto, interlocutores provocam o STF e dizem que os recados do decano não passam de retórica e que, no fim, Bolsonaro ganhou a queda de braço ao ficar desobrigado de entregar o aparelho.
Outro fato que despertou a atenção dos ministros do Supremo foi a entrevista à TV Globo em que o procurador-geral da República, Augusto Aras, deu a entender que há previsão de intervenção militar na Constituição.
"Quando o artigo 142 estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcionamento dos Poderes constituídos, essa garantia é no limite da garantia de cada Poder. Um Poder que invade a competência de outro Poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituição", disse Aras.
E completou: "Se os Poderes constituídos se manifestarem dentro das suas competências, sem invadir as competências dos demais Poderes, nós não precisamos enfrentar uma crise que exija dos garantes uma ação efetiva de qualquer natureza".
Diante da reação negativa de ministros, políticos e advogados, porém, Aras emitiu uma nota "a propósito de interpretações feitas a partir das declarações" e mudou de tom.
"A Constituição não admite intervenção militar. Ademais, as instituições funcionam normalmente. Os Poderes são harmônicos e independentes entre si", disse em texto divulgado nesta terça-feira (2).
Na nota, Aras pregou que os Poderes devem "praticar a autocontenção" para evitar conflitos que, "associados à calamidade públicas e a outros fatores sociais concomitantes, podem culminar em desordem social".
"As Forças Armadas existem para a defesa da pátria, para a garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, para a garantia da lei e da ordem, a fim de preservar o regime da democracia participativa brasileira", afirmou.
Reservadamente, integrantes do Supremo fizeram duras críticas a Aras, que tem perdido prestígio na corte por causa da postura adotada em relação ao Planalto.
Também nesta terça, Aras deu parecer favorável ao depoimento de Bolsonaro no inquérito aberto após Moro pedir demissão da Justiça.
Em manifestação com apenas um parágrafo, Aras concordou com o pedido da PF para que o chefe do Executivo seja ouvido no inquérito da suposta interferência no órgão.
Apesar de a Procuradoria-Geral da República ter concordado com a medida, ainda não está definido como ela ocorrerá. Caberá a Celso decidir a forma do interrogatório.
Se for levado em consideração o precedente do inquérito que investigou o então presidente Michel Temer (MDB), Bolsonaro terá a prerrogativa de responder aos questionamentos da PF por escrito.
A oitiva de Bolsonaro é considerada fundamental para elucidar os fatos em apuração, tendo em vista que algumas das principais suspeitas sobre o mandatário decorrem de falas dele próprio em aparições públicas e no vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.
O presidente ainda não apresentou, no inquérito, a sua versão sobre os fatos até agora levantados, embora venha se defendendo publicamente de algumas das suspeitas.
Demissão de Moro e investigação
Se o presidente for denunciado pela PGR, o caso segue para a Câmara. O Legislativo tem que autorizar a abertura do processo contra o chefe do Executivo. O STF, então, decide se recebe a denúncia e abre processo. Uma vez aberto, o presidente é afastado enquanto durar o julgamento, por até 180 dias
Pedidos de impeachment
Ao menos 35 pedidos já foram protocolados na Câmara, incluindo um assinado conjuntamente por partidos de oposição e cerca de 400 entidades da sociedade civil. Cabe ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rompido com Bolsonaro, aceitar ou não o pedido
Ações no TSE
Ao menos cinco ações questionam o presidente e o vice por supostos crimes cometidos na eleição. Cabe ao presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, pautá-las para julgamento. Em caso de cassação da chapa, o presidente e o vice perdem seus cargos (Folha)