Postado às 04h56 | 26 Mai 2020
Estado
O presidente Jair Bolsonaro usou as redes sociais para sugerir que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello teria cometido abuso de autoridade ao autorizar a divulgação de trechos do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o chefe do Executivo dá declarações nada republicanas, para dizer o mínimo, sobre a interferência que fará para garantir a segurança da sua família e amigos.
Mello é o ministro relator responsável pela tramitação da investigação instaurada pela Procuradoria Geral da República (PGR) para apurar as denúncias do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente mudou a direção da Polícia Federal para obter informações privilegiadas sobre investigações que miram sua família. Entre as suas funções estão solicitar gravações, quebras de sigilo e convocar testemunhas para depoimentos.
A divulgação dos trechos é de extrema importância para que as pessoas tomem conhecimento do que está sendo investigado. E, ao contrário do artigo 28 citado pelo presidente como argumento para querer fazer crer que o decano cometeu abuso de autoridade, a liberação das imagens tem relação direta com a prova que se pretende produzir no inquérito.O artigo 28 da Lei de Abuso de Autoridade condena a divulgação de gravações que não tenham relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado.
Com a liberação, Celso de Mello dá publicidade às provas necessárias para materializar a denúncia feita por Moro. Em nenhum momento o decano feriu o direito à privacidade de qualquer um dos agentes que aparecem no vídeo: trata-se de uma reunião oficial, para discutir assuntos oficiais e com troca de informações oficiais. Apesar do festival de palavrões e impropérios, ali ninguém estava em um momento de intimidade da sua vida privada.
Também não se sustenta o pseudoargumento de que há suspeição nas ações do ministro Celso de Mello. A suspeição se configura quando as partes têm algum tipo de relacionamento íntimo de amor ou ódio e assim se declaram publicamente. Ora, o ministro nunca manifestou apreço ou aversão à figura do presidente. Ocorre justamente o contrário: o presidente se manifestou diversas vezes contra todos os ministros da corte suprema.
*Jacqueline Valles é advogada Mestre em Direito Penal, especializada em Processo Penal e Criminologia, professora universitária e sócia-diretora da Valles e Valles.