Postado às 04h42 | 05 Jun 2020
El País
Enquanto cidades ensaiam a reabertura econômica, a pandemia do novo coronavírus ainda cresce no Brasil, que se tornou nesta quinta-feira o terceiro no mundo em número de óbitos, superando a Itália. Já são 614.941 casos e 34.021 mortes pela covid-19, um número de vítimas só menor do que o dos Estados Unidos e o do Reino Unido. O país teve novo recorde diário de óbitos registrados em 24 horas (1.479), num momento em que praticamente todos os Estados ainda apresentam níveis de contágio elevados, com índice de transmissão superiores a 1. Isso significa que cada infectado transmite a covid-19 para mais de uma pessoa, um índice superior à marca ventilada por especialistas para considerar desaceleração dos contágios. Em meio ao quadro preocupante, há sinalizações positivas pontuais. Ceará, Pernambuco e Espírito Santo começam a apresentar uma tendência de estabilização no registro de novos casos de coronavírus, afirma o Ministério da Saúde, ponderando a necessidade de observar as próximas semanas para analisar se essa condição se confirma.
Os três Estados destacados pelo Ministério da Saúde vinham em uma curva íngreme de novos casos e tiveram um crescimento menor nas duas últimas semanas epidemiológicas completas (entre os dias 17 e 30 de maio). “Mas precisamos observar o comportamento das próximas semanas para ver se a tendência se mantém”, pondera o secretário substituto de Vigilância em Saúde, Eduardo Macário. Na contramão dessa possível desaceleração, está Goiás, por exemplo. O Estado vinha apresentando uma curva de crescimento branda (com poucos casos comparados a outros Estados), mas, nas últimas duas semanas analisadas, saltou de 737 para 1208 casos. Todas tendências são analisadas por Macário com cautela. Ele cita o caso da Região Metropolitana de Manaus, que depois de três semanas apresentando tendência à estabilização, voltou a ver seus casos subirem.
Por enquanto, a análise geral é de que o Brasil vive uma curva crescente de novos casos, ainda que a epidemia apresente comportamento e estágios diferentes de uma ponta a outra do país. As regiões Norte e Nordeste ainda são os principais focos do novo coronavírus, mas a epidemia começa a avançar nas regiões Sul e Centro-Oeste. O Sudeste também segue a tendência de crescimento. “A dinâmica de velocidade está em torno de 1,5. Alguns Estados estão numa situação mais grave que outros. Mas a mensagem principal é: independentemente da situação em que se encontram, todos os Estados precisam manter as ações de enfrentamento”, defende Macário, referindo-se à necessidade de reforçar o sistema de saúde, a capacidade de testagem e as ações de vigilância em todo o país.
Mas a resposta brasileira para enfrentar a epidemia ainda é frágil. Já se passaram cem dias desde a confirmação do primeiro caso, e ações anunciadas no início da crise sequer saíram do papel. Estratégias de testagem em massa patinam. O Governo diz que reforçou os laboratórios e que milhares de testes rápidos foram distribuídos, mas admite que não consegue contabilizar um volume expressivo dos resultados que ajudariam a dar um retrato mais acurado da pandemia. Nos laboratórios, mais de 190 mil testes ainda estão na fila de análise. O Ministério da Saúde diz que o país processa mais de 50 mil testes por semana. Mas, no início da crise, a própria pasta estimava a necessidade de 30.000 testes por dia para ter uma dimensão mais real da parcela da população que foi infectada.
Diante da dificuldade de testar em massa, o país anunciou estratégias para chegar a esse tamanho real por amostragem. Ainda na gestão Mandetta, anunciou que faria inquéritos epidemiológicos, com a instalação de postos volantes de testagem em cidades com população acima de 500.000 habitantes e teria apoio de técnicos do IBGE. A previsão é de que esses postos começassem a funcionar ainda em abril, mas houve atrasos e eles ainda não foram implementados. Agora, o projeto está em fase final de organização, segundo informou Macário nesta quinta-feira (4), sem dizer exatamente quando devem começar a operar.
Desde o começo da crise, uma das principais armas brasileiras apontadas por especialistas e gestores públicos no enfrentamento da pandemia era a capilaridade e a universalidade do SUS. O sistema de saúde brasileiro é referência internacional e tem uma estrutura robusta de atenção básica ―que é o atendimento nos postos de saúde e o monitoramento de doenças crônicas e acompanhamento de pacientes pelos agentes de saúde. Mas só agora o Governo anuncia ações mais efetivas para aproveitar essa estrutura de forma estratégica no enfrentamento à pandemia e criar unidades de referência para a covid-19. As unidades, se saírem do papel, são uma forma de garantir a assistência segura de saúde e separar os atendimentos de casos suspeitos e coronavírus e outras doenças.
O Governo começará a cadastrar na próxima segunda-feira os municípios que desejam receber financiamento para implementar centros de atendimento e centros comunitários de referência para enfrentamento à covid-19, estes últimos voltados especificamente para comunidades e favelas. Essas unidades devem funcionar em unidades de saúde ou centros de referência comunitária (como escolas, por exemplo) adaptadas para o atendimento de casos leves da covid-19. Além de possibilitar a implantação de alguma assistência nos desertos de unidades de saúde que existem no país, os novos serviços fazem parte de uma estratégia para tentar rastrear os casos suspeitos —mesmo na manifestação leve da doença— e prevenir novas infecções, com orientação de quarentenas seletivas para quem teve contato com infectados. O Ministério da Saúde afirma que o processo de habilitação dessas unidades é rápido, mas não estipulou um prazo de quando elas deverão começar a funcionar.
Por enquanto, o Brasil segue com dificuldade de desenhar o tamanho e a intensidade da epidemia no país. Com mais de 4.000 mortes ainda em investigação, é difícil dizer se o país atingiu um pico de óbitos diários e quando isso ocorreu. A métrica precária, mas possível, vem dos registros diários de novas mortes confirmadas, que bateram recordes nos dois últimos dias. O Ministério da Saúde diz que trabalha apenas com os dados reais e evita apresentar as projeções com as quais trabalha para as próximas semanas. “Eu acho lamentável falar de ranking”, reclamou Macário na coletiva de imprensa, ao ser questionado sobre o adiamento na divulgação dos dados justamente no dia em que o país apresentou recorde diário de notificações de óbitos. Os boletins diários, antes divulgados por volta das 20h, passaram a sair somente depois das 22h. O Ministério da Saúde diz que é pelo trabalho de checagem de dados que chegam dos Estados.