Postado às 06h58 | 14 Abr 2021
Elio Gaspari
Bolsonaro pediu ao senador Jorge Kajuru que o ajude a fazer “do limão uma limonada” na Comissão Parlamentar de Inquérito da pandemia. O que ele quer mesmo é uma pizza. Noves fora a ameaça de “porrada”, a fala do capitão é uma enciclopédia bolsonarista:
Mania de perseguição: “Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir só pra cima de mim”.
Havendo um problema, cria-se outro: “É CPI ampla, investigar ministro do Supremo”.
Num momento, Bolsonaro soltou uma frase intrigante:
“Se não mudar a amplitude, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello.”
Qual é o problema de tomar o depoimento do general que ele colocou no Ministério da Saúde? De uma hora para outra, “ouvir o Pazuello” virou uma fonte de ansiedade.
Quem viu o empreiteiro Marcelo Odebrecht sendo tratado como um príncipe ao depor na CPI da Petrobras em 2015 sabe quanto há de teatro nas comissões parlamentares de inquérito que buscam fatos y otras cositas más. Odebrecht estava preso, seus malfeitos eram conhecidos e, ainda assim, informou que “não respeito delator”. Meses depois estava colaborando com a Justiça.
Em geral, as CPIs resultam em fábricas de vento, e a da pandemia promete vendavais. O comportamento de Bolsonaro é público, e algumas de suas atitudes já foram narradas pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta em livro. Nesse aspecto, além do depoimento desse ex-ministro, será informativo o de seu sucessor, Nelson Teich. Ele poderá revelar porque foi-se embora em menos de um mês.
O grande quadro está escancarado — e é um retrato de corpo inteiro de Bolsonaro. Ele chamou a Covid-19 de “gripezinha” e combate o isolamento por uma mistura de ignorância com oportunismo que estava no seu código político já ao tempo em que era vereador do Rio, rachando apoios e patrimônios.
Asmodeu virá nos detalhes, todos relacionados com a gestão do Ministério da Saúde. Mandetta já contou que, semanas depois de sua posse, o Planalto pediu a cabeça de quatro colaboradores. Seria o jogo jogado, mas “quem articulou as exonerações e impôs os novos nomes mirava o controle de mais de 80% do orçamento do Ministério da Saúde”. Quem?
O general Eduardo Pazuello assumiu o ministério com seu pelotão de militares, e deu no que deu. Na sua despedida, insinuou que tem algo a revelar. Contou que “a liderança política que nós temos hoje que nos mandou uma relação para a gente atender, e nós não atendemos”. Ele acrescentou: “A operação de grana com fins políticos acontece aqui”. Novamente, quem?
Essa fala de Pazuello teria caído mal no Planalto. Por quê?
O general chegou a falar de um “grupo dos oito”, formado por colaboradores que levou para o ministério e passou a orquestrar sua fritura. Quem?
A certa altura, tentaram “empurrar uma pseudo nota técnica” defendendo um medicamento. Cadê a nota? Que medicamento era esse?
Pazuello disse a congressistas que não deveriam falar mais em isolamento, foi ao Amazonas oferecer cloroquina quando faltava oxigênio, e sua equipe mandou as vacinas de Manaus para Macapá. Isso mostrou que seus conhecimentos de logística, aplicados no Dia D, em vez de levar os Aliados a Paris, levariam os alemães a Londres.
Ele é um asterisco no manifesto bolsonarista, mas, como Mandetta e Teich, tem o que contar.