Postado às 04h57 | 06 Abr 2020
Focado no projeto de se reeleger em 2022, desde que tomou posse na Presidência, Jair Bolsonaro fez uma aposta arriscada ao transformar a crise do novo coronavírus em arena de disputa política. Líder de uma campanha contra as medidas de distanciamento social, adotadas nos estados para conter o avanço da pandemia, ele procura atingir os governadores, entre os quais possíveis concorrentes nas urnas. Na contramão das recomendações das autoridades de saúde, o presidente enfrenta um crescente desgaste político. Cada vez mais isolado, até mesmo dentro do governo, aprofunda o discurso radical, na tentativa de manter, pelo menos, o apoio do grupo de eleitores mais fiéis.
Bolsonaro vive o pior momento do seu mandato, menos de um ano depois de revelar publicamente, em julho de 2019, com apenas seis meses na presidência, a pretensão de concorrer à reeleição. Na ocasião, prometeu entregar um país “muito melhor para quem nos suceder em 2026”. Agora, colhe os frutos da opção de antecipar a disputa eleitoral no momento em que o país mais necessita de união para vencer a crise sanitária e econômica.
Pesquisas de opinião mostram que a maioria da população apoia as medidas de isolamento social adotadas nos estados. Alvos preferenciais dos ataques do presidente e virtuais candidatos à presidência, em 2022, João Doria (PSDB), governador de São Paulo, e Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro, surfam na onda da aprovação popular dos executivos regionais durante a crise. No sentido contrário, Bolsonaro amarga o pior momento de sua popularidade desde que tomou posse.
Contramão
Após um desempenho pífio do PIB em 2019, com crescimento de apenas 1,1%, o menor avanço em três anos, Bolsonaro insiste em apontar o fechamento do comércio e outras restrições do distanciamento social como obstáculos à recuperação econômica. Ao menosprezar o novo coronavírus, qued ele classifica como “gripezinha”, tem encontrado adeptos que acabam se expondo ao risco de contaminação ao saírem às ruas desafiando as normas sanitárias, como fez o próprio presidente.
Paulo Calmon, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), aponta os “erros estratégicos muito graves” que Bolsonaro vem cometendo. “Ele está se baseando em um cenário sobre o impacto da Covid-19 que é equivocado. É como um general que comanda a tropa ignorando os relatos dos seus oficiais no campo de batalha e ouvindo apenas o conselho de dois ou três amigos íntimos. Esse isolamento não é apenas uma tragédia para o governo Bolsonaro; é uma tragédia para o país nesse momento de enorme crise”, lamenta.
O professor acrescenta que “a história demonstra que líderes que ignoram os fatos, desprezam o conhecimento científico e se isolam dos aliados comprometem definitivamente suas carreiras políticas e seu legado para a história. Temo que o presidente Bolsonaro esteja caminhando nessa direção”.
No momento em que o país contabiliza mais de 400 mortos pela Covid-19 e sofre os impactos econômicos da pandemia, Bolsonaro tem adotado a disputa política até mesmo nas discussões sobre a ajuda do governo federal aos mais necessitados. E essa é uma das principais fontes de desgaste do presidente, que culpa uma “burocracia enorme” para justificar a demora no pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 aos trabalhadores informais, aprovada pelo Congresso após o governo propor apenas R$ 200. Ao todo, 54 milhões de pessoas aguardam o benefício.
O inferno político de Bolsonaro resulta ainda de sua insistência em desacreditar publicamente o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), que o incomoda pelo prestígio adquirido junto à população e aos demais Poderes, em razão das medidas adotadas contra a Covid-19.
Sem apoio
Mandetta, um médico ortopedista, tem recebido o apoio da população, dos chefes do Legislativo e do Judiciário e até de membros do governo, como os ministros da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e da Economia, Paulo Guedes. O titular da Saúde é o alvo mais recente das ofensivas do presidente dentro do governo, enquanto Moro as tem enfrentado desde que trocou a magistratura pelo primeiro escalão do governo. Neste embate específico, o maior risco político para Bolsonaro é que ambos são, atualmente, os ministros mais populares do seu governo.
“O risco que o presidente Jair Bolsonaro assumiu, ao deixar prevalecer a política em meio à pandemia, quando defendeu o chamado isolamento vertical, foi, sem dúvida, alto. Imaginava certamente que uma parcela considerável da população fosse apoiá-lo no afrouxamento das medidas de isolamento, preocupada com o impacto econômico extremamente negativo que se avizinhava. Ocorre que o apoio à flexibilização por ele sugerida obteve uma recepção bastante tímida, limitada aos seus eleitores. E mesmo alguns deles criticaram sua posição”, diz o cientista político Ricardo Caichiolo, do Ibmec Brasília.
“Papel importante e relevante nessa contraposição à visão bolsonarista tem sido desempenhado pelos governadores e, também, pelos representantes da alta cúpula do Judiciário, que enfatizaram a necessidade de seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotadas por boa parte dos países. Entretanto, ainda é cedo para afirmar que a aprovação popular do presidente tenha sofrido um abalo, pois há, aparentemente, a manutenção da parcela fiel da população que ainda o segue”, acrescenta.
Segundo Caichiolo, tudo dependerá de como o governo vai se comportar durante a crise e como o Brasil vai sair dela. “Certo é que, independentemente do cenário, o presidente não sairá vitorioso desta guerra”, conclui.
Já o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, é enfático ao observar que “ao disparar para todos os lados, o presidente conseguiu unir até mesmo adversários políticos. O governador João Doria e o ex-presidente Lula, por exemplo, trocaram afagos nas redes sociais depois de o petista elogiar as medidas de enfrentamento do vírus em São Paulo”, lembra.
“Bolsonaro foi o presidente que mais cedo falou publicamente em reeleição, um recorde. E os projetos políticos do presidente fazem parecer que ele pensa mais na reeleição do que no próprio governo ou nos problemas mais urgentes do país. É interessante também que, sabendo do desgaste que está enfrentando, ele aposta na tática do confronto, para poder chegar em 2022 pelo menos com os votos dos apoiadores mais fiéis, os bolsonaristas radicais”, acrescenta César. (CB)