Postado às 09h08 | 18 Abr 2021
Folha - Tabata Amaral
Cientista política, astrofísica e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa educação e é cofundadora do Movimento Acredito
Seguindo o que já virou praxe em períodos pré-eleições, a Câmara dos Deputados se prepara para mais uma reforma eleitoral, após a criação, na última semana, de uma comissão especial para debater o tema. Se o que está sendo discutido nos bastidores se concretizar, estamos falando do maior ataque contra a renovação política dos últimos anos.
Mudanças como essa, que afetam o funcionamento da nossa democracia, deveriam dispor de tempo e envolver toda a sociedade civil organizada, o que é simplesmente impossível em uma pandemia. Não me surpreende, no entanto, que parte do Congresso esteja se aproveitando desse grave momento, em que o foco deveria ser outro, para fazer avançar seus interesses.
Uma das propostas ventiladas é a instituição do "Distritão", sistema adotado em apenas quatro países —Afeganistão, Ilhas Pitcairn, Jordânia e Vanuatu— e que dificulta a entrada de novos quadros no Congresso.
Um estudo feito pelo Gabinete Compartilhado, formado por mim, pelo deputado Felipe Rigoni e pelo senador Alessandro Vieira, mostrou que, se o sistema estivesse vigente em 2018, 17 deputados em reeleição teriam sido eleitos no lugar de novatos. Além disso, mulheres e negros seriam os maiores prejudicados, e a nossa primeira deputada indígena perderia a sua cadeira para um homem branco. Não obstante, a ameaça à representatividade não para por aí, pois também estão em discussão retrocessos em relação aos poucos incentivos que temos às candidaturas femininas e negras.
As poucas conquistas que tivemos em reformas anteriores também estão em risco, como é o caso da cláusula de desempenho e o fim da coligação em eleições proporcionais. Esses são mecanismos importantes em um país que tem 24 agremiações na sua Câmara dos Deputados, o que faz do nosso sistema partidário um dos mais fragmentados do mundo e impõe custos altíssimos à governabilidade.
Por fim, dentre as propostas na mesa, estão ataques à transparência e à fiscalização, como a flexibilização da Lei da Ficha Limpa, a redução do poder do TSE e a conversão de ações que hoje são crimes em simples irregularidades administrativas.
Os últimos anos nos mostraram que a eleição de deputados e senadores importa tanto quanto a do presidente. Em um momento em que se fala apenas da eleição no Executivo, é preciso entender que o fortalecimento da nossa democracia passa igualmente por continuarmos avançando na renovação de pessoas, práticas e ideias no Legislativo. É por isso que temos que brecar essa reforma eleitoral antes mesmo que a proposta se concretize. Não podemos deixar passar mais essa boiada.