Postado às 17h23 | 07 Nov 2020
Diário de Notícias, Portugal, Lisboa
Todos os anos desde 1972, a 18 de Dezembro, Joe Biden não vai trabalhar. O senador do Delaware fica em casa a recordar o dia em que perdeu a mulher e a filha de 13 meses num acidente. Neilia Biden regressava a casa com a árvore de Natal que acabara de comprar quando o seu carro chocou contra um camião. A pequena Naomi e a mãe não resistiram e os dois filhos mais velhos do casal ficaram gravemente feridos.
Em 2015, apesar dos apelos do mais velho desses filhos, Beau Biden, pouco antes de morrer de cancro, Joe decidiu não avançar para a corrida à nomeação democrata contra Hillary Clinton. Talvez por antecipar o desafio que uma campanha presidencial pode representar para a família de um candidato. Quanto mais uma família que acabava de sofrer uma perda tão profunda.
Passados quatro anos, o cenário mudara e apesar de a perda de Beau ainda ser uma ferida na vida de Biden, a 25 de abril de 2019 decidiu mesmo aceitar o desafio que o filho lhe fez antes de morrer e avançar com aquela que seria a sua segunda tentativa de chegar à Casa Branca (a primeira foi em 1987).
Depois de uma campanha inédita, marcada por uma pandemia que manteve o candidato democrata afastaado dos eleitores nos últimos meses para respeitar as regras sanitárias, a eleição em si também foi única.
Enganaram-se os que, depois de quatro de presidênciaa Trump marcadaa por um estilo único e cheia de polémicas, anteviram uma onda azul que daria a vitória fácil a Biden. O voto maciço por correspondência deixava antecipar uma demora na contagem, mas poucos imaginariam que seriam necessárioas vários dias para os EUA ficarem a saber que o ex-vice-presidente de Barack Obama vencer. Tornando-se assim no mais velho presidente de sempre nos EUA - faz 78 anos no dia 20 de novembro - e apenas no segundo católico a chegar à Casa Branca, depois de Kennedy.
Mas quem é afinal Joseph Robinette Biden Jr.?
Aos 29 anos, Joe Biden acabara de ser eleito para o Senado, mas teria desistido e ficado a cuidar dos filhos após a morte da mulher e da filha bebé se não tivesse recebido o apoio do Partido Democrata. Foi junto às camas de hospital dos pequenos Beau e Hunter que tomou posse. Dessa altura data o seu hábito de fazer todos os dias uma hora e meia de comboio entre o Delaware e Washington. Um hábito que manteve durante 35 anos como senador. Biden destacou-se na Comissão das Relações Externas, uma experiência que levou Barack Obama a escolhê-lo para seu candidato à vice-presidência dos EUA em 2008.
Filho de um vendedor de automóveis, Biden nasceu em Scranton, na Pensilvânia. Quando tinha dez anos, a família mudou-se para o estado do seu pai, o Delaware. O mais velho de quatro irmãos, este católico de ascendência irlandesa trabalhou como advogado, mas rapidamente enveredou pela política.
Casado em segundas núpcias com Jill Jacobs e pai de uma menina chamada Ashley, Biden tornou-se na estrela em ascensão dos democratas. E em 1988 (após vencer um aneurisma cerebral) tentou pela primeira vez a candidatura à Casa Branca. Teria, no entanto, de desistir após ser acusado de plagiar o então líder dos trabalhistas britânicos, Neil Kinnock. A sua pergunta "comecei a pensar porque será Joe Biden o primeiro da família a ter oportunidade de ir para a universidade?" era demasiado semelhante ao "porque sou o primeiro Kinnock em cem gerações a ter oportunidade de ir para a universidade?". Mais tarde os dois tornaram-se amigos, e Kinnock disse à BBC: "Biden é um homem de grande maturidade e longa experiência."
Opositor à Guerra do Iraque, apesar de ter aprovado a invasão em 2002, Biden viu o conflito de um prisma muito pessoal. O filho mais velho, Beau, tenente da Guarda Nacional, estava de partida para o Iraque quando ele foi nomeado talvez por isso sempre se tenha pronunciado contra o aumento das tropas naquele país.
E se a sua experiência e os cabelos brancos (fez implantes) foram um trunfo para Obama, este conseguiu controlar a língua do vice. É dele a frase: "Há três coisas que Rudy Giuliani usa sempre numa frase - um nome, um verbo e 11 de Setembro", proferida quando ele e o ex-mayor republicano de Nova Iorque - hoje advogado e fiel escudeiro de Donald Trump - estavam na corrida às presidenciais de 2008. E nem Obama escapou aos ataques. Em janeiro de 2008 disse que o então senador era "o primeiro afro-americano que conheço com um discurso articulado e inteligente e limpo e simpático".
Palavras que depressa se transformaram numa clara amizade, com os dois homens a protagonizarem um dos bromances (romance entre irmãos) mais famosos da política americana. Desde os momentos em que foram vistos a comer gelados juntos - um conhecido "fraco" do então vice-presidente - ao vídeo que protagonizaram juntos para sublinhar a importância de uma alimentação saudável e do exercício físico em que surgem juntos a correr pelos corredores da Casa Branca.
Não espanta pois que Obama, depois de manter alguma distância na fase inicial da campanha para estas presidenciais, tenha acabado por avançar em força no apoio ao ex-vice-presidente. Num dos últimos comícios em que participou, o ex-presidente afirmou: "A presidência não muda a forma como somos, revela aquilo que somos. Biden depressa aprendeu a tratar todos com respeito, e é amigo da gente trabalhadora. Com Joe e Kamala (Harris, a sua vice-presidente) no leme, não vão ter de ficar a pensar nas loucuras que eles dizem diariamente. Vão poder viver as vossas vidas sabendo que o presidente não vai retuitar teoris da conspiração sobre tramas secretas que lideram o mundo".
ALGUNS FACTOS SOBRE O NOVO INQUILINO DA CASA BRANCA
O pai. Depois da morte da primeira mulher, Neilia, e da filha de 13 meses, Naomi, num acidente de automóvel nas vésperas do Natal de 1972, Biden viu-se viúvo e com dois filhos pequenos para criar. Beau e Hunter também ficaram feridos no acidente que vitimou a mãe e a irmã, mas acabaram por recuperar. O senador estava disposto a desistir da carreira política para tomar conta dos filhos, mas o apoio dos responsáveis do Partido Democrata acabou por convencê-lo a aceitar o cargo para que fora eleito aos 29 anos.
A criança. Nascido em Scranton, na Pensilvânia, aos dez anos, Joseph Robinette Biden, o filho mais velho de um vendedor de automóveis de ascendência católica irlandesa mudou-se com a família para o Delaware. Foi aí que se formou em Direito e Economia e exerceu advocacia.
O senador. Biden tomou posse em janeiro de 1973, no hospital do Delaware, onde os filhos recuperavam de um grave acidente.
A campanha. Foi em Wilmington, no Delaware, que Biden anunciou a sua primeira candidatura presidencial, em junho de 1987. A mulher, Jill, estava ao seu lado. Acabou por desistir, acusado de plagiar um político britânico. A 25 de abril de 2019 foi através de um vídeo que anunciou ao mundo que ia avançar para tirar Trump da Casa Branca.
A fé. Descendente de católicos irlandeses, Biden, acompanhado pela mulher, visitou o Papa João Paulo II no Vaticano, em 1980. É apenas o segundo católico a chegar à Casa Branca. O primeiro foi John F. Kennedy, eleito em 1960 numa campanha em que a sua religião, ao contrário do que aconteceu agora, esteve no centro do debate.
O 'vice'. Barack Obama apresentou Biden como seu candidato à vice-presidência em Springfield, no Ilinóis. Ambos discursaram frente ao Velho Capitólio Estadual, onde o presidente Abraham Lincoln serviu como congressista antes de ser eleito para a Casa Branca, em 1860. Em oito anos de parceria política, os dois haviam de desenvolver um dos mais famosos bromances da política americana, com muitos momentos divertidos à mistura.
A mulher. Cinco anos após perder a primeira mulher e a filha, Biden voltou a casar-se, em 1977, com a professora de Inglês Jill Jacobs "Ela trouxe-me de volta para a vida", escreveu Biden nas memórias sobre a segunda mulher.
O segundo casamento. Biden conheceu Jill durante uma recolha de fundos. A jovem estudante universitária apaixonou-se pelo senador em quem havia votado. Casaram em 1977 e têm uma filha, Ashley, hoje com 39 anos.
O homem. Joe Biden habituou-se a fazer hora e meia de comboio todos os dias entre a cidade do Delaware onde vive e Washington, onde durante mais de 35 anos representou aquele pequeno estado no Senado federal.