Postado às 06h32 | 05 Abr 2020
Elio Gaspari
O astucioso e explícito ataque público de Jair Bolsonaro contra seu ministro da Saúde revelou a extensão dos tormentos de sua alma. Luiz Henrique Mandetta é uma solução, mas seu chefe vê nele um problema. Mesmo que ele tivesse dito que a Covid-19 seria uma “gripezinha” o presidente deveria poupá-lo de ostensivas frituras.
Há pouco menos de um mês morreu o ex-ministro Gustavo Bebianno. Tinha 56 anos e foi levado pela tristeza, menos de um ano depois de ter sido demitido da Secretaria-Geral da Presidência em circunstâncias humilhantes pelo presidente por quem trabalhou quando os bolsonaristas cabiam numa Kombi. Na carta que Bebianno lhe escreveu, disse: “O senhor cultiva e alimenta teorias de conspiração, intrigas e ódio”.
Pouco depois, Bolsonaro demitiu o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz da Secretaria de Governo. Ele pouco falou, mas deixou uma frase críptica: “Tem que ter noção de consequência”.
Como disse o sábio Marco Maciel, “as consequências geralmente vêm depois”. Quando Bolsonaro diz que “o Mandetta quer fazer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo. Pode ser. Mas está faltando um pouco mais de humildade para ele” e que “a gente tá se bicando há um tempo” o que ele faz é fritá-lo.
A fritura de Mandetta serve ao coronavírus e a ninguém mais. Bolsonaro sabe desidratar colaboradores e secou o juiz Sergio Moro, mas a importância do Ministério da Justiça não pode ser comparada à da Saúde durante uma epidemia.
Desde o início da crise, Bolsonaro oscilou do negacionismo ao Apocalipse. O que pode parecer um comportamento errático foi uma constante e equivocada defesa de seus interesses: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo, acaba o meu governo”.
O negacionismo da “gripezinha” menosprezava a epidemia supondo que, com isso, poderia preservar a economia. Com a Covid, Bolsonaro passou a flertar com o caos do vídeo da central de abastecimento de Belo Horizonte às moscas. (Era mentira e ele se desculpou por não ter checado, quando devia ter pedido desculpas por ter acreditado.) As duas posturas nasceram de um só medo: “Acaba meu governo”.
Seu governo só deve acabar no dia 31 de dezembro de 2022, porque é isso que diz a Constituição. Até lá, ele terá que governar um país em séria dificuldade, sem inventar “gripezinhas” ou estimular tensões e situações caóticas.
A história da República registra casos de presidentes que produziram desastres, mas nenhum deles teve padrão semelhante ao de Bolsonaro. Nem Jânio Quadros, um grande ator que se fazia passar por doido.
Entre o negacionismo e o flerte com o Apocalipse, Bolsonaro leva para o atacado a política venenosa que praticou no varejo com Bebianno e Santos Cruz, pessoas que decidiram trabalhar com ele. No atacado, ela muda de qualidade, porque pode-se mastigar uma pastilha de cianeto de potássio, mas não se pode receitá-la.
Contrariando vários ministros, o presidente Jair Bolsonaro suspendeu por 60 dias um aumento de até 5% no preço dos remédios.
Na sua incorrigível opção pela realidade paralela, informou que a medida foi tomada “em comum acordo com a indústria farmacêutica”. Falso, a decisão foi tomada em desacordo com a guilda do setor. O Sindusfarma fez questão de registrar que não foi consultado.
Na patética videoconferência de empresários amigos da Federação das Indústrias de São Paulo com Bolsonaro, esse congelamento provisório havia sido uma das poucas propostas capazes de refrescar o andar de baixo.
Ela partiu de Eugênio de Zagottis, representante das farmácias. Ele disse o óbvio: “O Brasil não precisa dessa manchete”. Foi contraditado por Carlos Sanchez, em nome da indústria, que ofereceu dois caminhos para que a providência fosse adotada: O governo poderia criar uma dólar especial para o seu setor, a R$ 4, ou as farmácias deveriam abrir mão de uma parte de sua margem, repassando-o à indústria.