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As eleições presidenciais nos EUA e o Brasil

Postado às 03h54 | 11 Ago 2020

Rubens Barbosa

Em 90 dias o mundo conhecerá o futuro presidente dos EUA. As pesquisas de opinião pública indicam hoje uma vitória de Joe Biden sobre Donald Trump, com margem de cerca de 10 pontos porcentuais. Esse número daria a vitória a Biden caso a eleição fosse majoritária. Cabe, porém, um elemento de cautela, visto que nos EUA a eleição para presidente é decidida em colégio eleitoral, composto por delegados de todos os Estados, eleitos a partir dos resultados nas votações locais. Refletindo a profunda divisão da sociedade americana, a eleição deverá ser decidida nos Estados que oscilam entre conservadores e democratas, (Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Flórida, Idaho) e Trump ameaça contestá-la.

A mudança do cenário eleitoral nos últimos três meses deveu-se à percepção negativa sobre a forma como Donald Trump vem conduzindo as medidas contra a pandemia, a queda no crescimento econômico, o aumento do desemprego e sua reação aos movimentos raciais que se espalharam por todo o país. Passou a haver, assim, uma chance de Joe Biden vencer as eleições de novembro, com mudanças significativas nas políticas econômica, ambiental e externa.

O Partido Democrata, no governo, tentará uma política econômica que recupere o dinamismo da economia e reduza o desemprego. Deverá prevalecer viés nacionalista, que incluirá forte componente ambiental (Green New Deal), modificações no sistema de saúde e busca de liderança no combate à pandemia. Os EUA voltarão a dar prioridade aos organismos multilaterais, com o retorno à Organização Mundial de Saúde, o fortalecimento da OMC e a adesão ao Acordo de Paris. As crescentes tensões geopolíticas entre EUA e China, no governo democrata, deverão continuar e mesmo ampliar-se. Nesse contexto, deverão aumentar a pressão sobre governos autoritários e a defesa da democracia, agravando as tensões nas áreas comercial, tecnológica e militar, pois Beijing é tratada hoje como adversário pelo establishment norte-americano.

Como ficariam as relações Brasil-EUA com um presidente democrata?

Numa de suas lives semanais, o presidente Jair Bolsonaro, ao comentar o cenário da eleição presidencial americana, confirmou que torce por Trump, mas vai tentar aproximação caso Biden seja o vencedor. “Se não quiserem, paciência”, simplificou. Bolsonaro ouviu e está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, de buscar fazer pontes com o candidato democrata.

Costumo fazer distinção entre a relação pessoal Bolsonaro-Trump e a relação institucional entre as burocracias brasileira e norte-americana.

Caso Biden seja eleito, vai terminar a relação pessoal estabelecida com Trump por influência ideológica. Manifestação de Eduardo Bolsonaro a favor de Trump recebeu imediata resposta de deputado democrata, presidente da Comissão de Relações Exteriores: “A família Bolsonaro precisa ficar fora da eleição dos EUA”.

Em termos institucionais, o relacionamento bilateral continuará a ter baixa prioridade e o novo presidente poderá até fazer alguns gestos para afastar o Brasil da China. As críticas continuarão, como vimos recentemente, quando, por conta da política ambiental e de direitos humanos em relação aos índios, Comitê de Orçamento da Câmara, relatório do Departamento de Estado e carta de deputada democrata criticaram o governo brasileiro e pediram que não seja negociado nenhum acordo comercial com o Brasil, haja sanções contra Brasília e seja vetada ajuda na área de defesa ao Brasil como aliado da Otan. O alinhamento com os EUA, nem sempre concretizado nas relações bilaterais, tornou-se automático nas votações de resoluções sobre costumes, mulheres, direitos humanos, saúde e sobre o Oriente Médio nos organismos multilaterais (ONU, OMS, OMC). Em muitos casos o Brasil fica isolado com EUA e Israel e nas questões de costumes fica acompanhado de países conservadores, como Arábia Saudita, Líbia, Congo e Egito. Com a mudança na política de Biden nos organismos multilaterais, o Brasil tenderá a ficar ainda mais isolado, sem a companhia dos EUA.

A geopolítica será o dilema mais sério para o governo brasileiro caso Biden vença a eleição. A crescente presença da China na América do Sul está na raiz da decisão de Washington de apresentar candidato a presidência do BID contra um representante brasileiro, e pode ser indício de um renovado interesse político dos EUA para conter Beijing com pressão financeira sobre os países da região. Seria a volta da Doutrina Monroe. O apoio brasileiro à proposta dos EUA para discutir se países que não são economia de mercado podem ser membros da OMC – o que, na prática, excluiria a China – e uma eventual decisão contra a empresa chinesa na licitação do 5G indicariam que o Brasil teria escolhido seu lado no confronto. Será que os EUA levarão o governo brasileiro a se chocar com a China? Não convém ao Brasil ajudar a trazer a disputa geopolítica para a região, nem tomar partido por um dos lados numa longa disputa que está apenas começando. Permanecer equidistante é o que defende o vice-presidente Hamilton Mourão.

Menos ideologia e geopolítica e mais interesse nacional é o que o bom senso recomenda nesse momento de incerteza nos rumos da relação Brasil-EUA.

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