Postado às 07h15 | 09 Dez 2020
Jorge Zaverucha
Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Um processo de democratização pode ser dividido em três fases.
A da liberalização ocorre quando o regime autoritário fraqueja e sinaliza intenção de realizar mudanças. A transição ocorre quando novos atores políticos são incorporados ao processo de tomada de decisão visando preparar a pólis para eleições livres. A consolidação democrática é um processo de fortalecimento de instituições e aprofundamento da cultura democrática.
Essa consolidação é alcançada quando a democracia se torna tão legítima que passa a ser muito improvável que suas instituições sejam golpeadas. A literatura de Ciência Política pensava em tanques rasgando constituições.
Hoje isto é feito por instituição civil encarregada constitucionalmente de zelar pela Constituição. É vergonhoso que cinco ministros do STF tenham votado para tornar inconstitucional a constituição. Menos mal, que não foi a maioria, mas o placar deveria ter sido 11 a zero.
Ou melhor, o assunto não deveria nem ter sido aceito para discussão.
É que o STF não quer ser apenas o guardião da Carta Magna, mas o próprio Constituinte. Vale a pena funcionar nestes moldes? Ou é melhor fechá-lo?
Estas estrepolias não são de hoje. Nelson Jobim quando foi constituinte, alterou o texto da futura Constituição de 1988 sem o conhecimento de seus pares. Isso não o impediu de se tornar ministro da Justiça e, posteriormente, ministro e presidente do STF.
Há leis no Brasil, mas inexiste um governo da lei (Estado de Direito). Duas das características do Estado de Direito se encontram parcialmente ausentes: previsibilidade e igualdade perante a lei. Vige no país um pluralismo jurídico assimétrico. O que prevalece são pequenos grupos com amplos poderes vis-à-vis uma massa de indivíduos desorganizados e impotentes. Estas quando se unem são capazes de virar um placar adverso.
A doutrina do equilíbrio entre os Poderes afirma ser ele essencial para a democracia. Qualquer instituição, desde o complexo Estado moderno até uma pequena empresa, precisa ter tanto funções claramente definidas como regras respeitadas.
É preocupante, para não dizer vergonhoso, que cinco ministros do STF tenham votado para tornar a Constituição inconstitucional. Em especial, o relator Gilmar Mendes, que foi capaz de escrever um relatório de 64 páginas para tentar explicar o inexplicável. Exemplo de malemolência jurídica. Este ministro preside a comissão de juristas que elabora o anteprojeto de um Código de Processo Constitucional!
Sem esquecer que o ministro Lewandowski já havia rasgado a Constituição ao conferir direitos políticos a “impichada” presidente Dilma Rousseff. E o que dizer dos ministros Toffolli e Moraes que tanto jactam-se de lutar pela defesa da democracia brasileira votaram por dilacerar a Carta Magna.
O voto de Kássio Nunes, candidato de Bolsonaro, retratou o desejo presidencial: reeleição sim de Alcolumbre, mas não de Maia.
Outras instituições estão envolvidas nesta patifaria.
Tanto a Procuradoria Geral da República como Advocacia Geral da União limitaram-se a dizer que isto era uma questão interna do Congresso. E a OAB guardou circunspecto silêncio.
Como este tipo de elites fica mais fácil entender João Guimarães Rosa quando mencionou sofrer de “cansaço de esperança”.