Notícias

Artigo de Ney Lopes publicado no jornal "Estado de São Paulo"

Postado às 16h17 | 19 Mai 2022

* Ney Lopes

Uma questão de fundamental importância, para os eleitos no futuro Congresso Nacional é o debate sobre a permanência do atual presidencialismo de coalizão, ou a mudança para o regime de governo semipresidencialista, como meio de reduzir a instabilidade política. Tudo vem à tona, após dois impeachments - Fernando Collor e Dilma Rousseff -, 303 pedidos de destituição de presidentes da República encaminhados à Câmara dos Deputados, além de sucessivas crises políticas.

De saída, entendo que não se justifica falar em “semipresidencialismo”, sem antes modernizar a lei partidária. Seria “colocar a carroça na frente e dos bois”. Esse novo modelo de governança teria que ser precedido de uma urgente reforma partidária, para evitar as pressões sobre os governos eleitos, partindo dos “oportunistas e fisiológicos de plantão”, em busca de cargos, funções e emendas orçamentárias.

As mudanças devem começar pela democratização interna dos partidos, assegurando direitos aos filiados. Hoje são ditaduras, com os partidos transformados em “propriedades privadas” de cúpulas, que concentram poderes absurdos, para ratearem os bilhões do Fundo Eleitoral. Os Diretórios têm total autonomia de como e onde utilizar o dinheiro. O Fundo se torna uma espécie de moeda de troca, permitindo que se façam acordos “por fora” para que o dinheiro chegue até onde desejam chegar.

Constatam-se escândalos no jogo de “troca” de favores pessoais e de grupos. As prestações de contas são “genéricas”, constando “gastos” com “serviços técnico-profissionais”, “transferências com fins eleitorais”, “aluguel de bens móveis” e “alistamento”. Existe, inclusive, uma despesa chamada de “outras despesas eleitorais”, que pode servir para qualquer coisa. Além disso, os julgamentos das contas demoram e, com isso, grande parte prescreve. Assim sendo, como os partidos manipulados teriam legitimidade para formarem maioria parlamentar no semipresidencialismo?

No atual quadro nacional, o presidencialismo de coalizão, aprovado na Constituição de 1988, é “mitigado” e muito dependente do Congresso Nacional. A justificativa usada na formação de governo de coalizão é a formação de aliança política, visando facilitar a governabilidade. Na prática, a multiplicação de partidos faz com que essas “alianças” se transformem em nocivo arranjo político-institucional, pelo uso da “barganha” e do “toma lá me dá cá”. Regra geral, os partidos brasileiros são como os morcegos, que se nutrem do sangue alheio e só enxergam o próprio umbigo.

Como alternativa ao modelo do presidencialismo de coalizão, em 1978 o cientista político Maurice Duverger defendeu a Quinta República francesa (criada em 1958), como um sistema semipresidencial, que comportaria outros mecanismos, além do impeachment, para resolver crises entre Executivo e o Legislativo. O semipresidencialismo seria capaz de aperfeiçoar a separação de poderes, aplicando o princípio de freios e contrapesos (controle do poder pelo próprio poder). Finlândia e Portugal são exemplos atuais.

Note-se, que em nossa Constituinte de 1988 foi tentada solução parlamentarista, que chegou a ganhar na Comissão de sistematização. No final, venceu o presidencialismo. Derrotados, os parlamentaristas incluíram nas Disposições Transitórias da Constituição a realização de plebiscito, pelo qual, cinco anos mais tarde, a população decidiria se mudaria o sistema de governo. Na consulta em 1993, o presidencialismo foi mantido.

Atualmente, ressurge na Câmara Federal, com apoio do presidente Artur Lyra, a proposta do semipresidencialismo. Grupo de trabalho analisa a matéria. A mudança ocorreria apenas em 2030. A ideia seria o presidente da República ser eleito por voto direto, com mandato fixo, poderes para dissolver o Parlamento, escolher o primeiro-ministro e o gabinete, desde que tenha apoio da maioria parlamentar. Em caso de crise, ele poderia convocar eleições. O Parlamento teria atribuições de destituir o primeiro ministro.

Caso o semipresidencialismo seja aprovado, antes de uma cirúrgica reforma partidária, política e eleitoral, se transformará em “engodo”, agravando as crises. Nesse caso, Tomasi di Lampedusa estará certo, ao ter dito, que as vezes “tudo muda para continuar como está”.

*  Ney Lopes - jornalista, ex-deputado federal, professor de direito constitucional da UFRN, presidiu a CCJ na CF, procurador federal e advogado

 

Deixe sua Opinião