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Arminio Fraga: Se não houver isolamento, economia pode sofrer segundo baque

Postado às 05h47 | 27 Mar 2020

Globo

O economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, alerta que é falsa a dicotomia entre salvar vidas e a economia. Suspender a quarentena imposta na maior parte do país não levaria os brasileiros a saírem gastando, nem os empregos seriam preservados em sua plenitude. “Dá a impressão de que há um custo econômico, e há. Mas dá também a impressão de que há uma alternativa sem custo, que seria fazer o (isolamento) vertical. Mas isso não é verdade”, afirma Arminio em entrevista, por videoconferência, de sua casa no Rio. E diz que, para socorrer a economia, é preciso agir rapidamente, o que não está acontecendo.

Os economistas defendem um socorro à economia. No caso da pandemia, os médicos dizem que, quanto antes a quarentena, mais eficaz ela é. É possível fazer um paralelo com a economia? O socorro não está demorando?

- São duas situações diferentes, mas há, sim, um paralelo. No caso do isolamento, a ideia é se antecipar à propagação do vírus. Em outros países, como Cingapura, que é rica e pequena, foi possível também testar muito, com rastreamento de contatos, um processo quase individual. Mas isso não seria possível aqui. Então, o isolamento é a única opção, e quem agiu com presteza teve resultados melhores. No lado da economia, a ação ganha contornos de urgência, em função do colapso súbito da receita de várias empresas, pequenas, médias e grandes. Dependendo do setor, o colapso chega a 100%. Nada disso existe em situações normais. Numa recessão, a receita cai aos poucos e chega, no pior momento, a uma queda média de 10%. Por consequência, espera-se uma onda enorme de desemprego. Por isso, é importante agir rapidamente. O que não está acontecendo.

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Muitos dizem que a quarentena vai “matar a economia”. Não adotar a quarentena pode ser um risco maior à economia?

- Considero que sim. É preciso olhar no detalhe. Suspender a quarentena não significa que as pessoas vão sair gastando e os empregos vão ser preservados na sua plenitude. No caso do Brasil, pegaria um número muito grande de pessoas muito fragilizadas. Da população brasileira, 38% são idosos, portadores de doenças crônicas ou ambos. Seria uma loucura. Quem faz essa proposta (de não adotar a quarentena) sugere o seguinte modelo chamado de vertical: fecha tudo por duas semanas, identifica-se quem está carregando o vírus e isola essas pessoas. Segrega e isola os mais velhos. Aqui no Brasil, isso é totalmente impossível. E os que ficarão expostos são muito numerosos e vulneráveis. Nossa rede de hospitais, como aliás em boa parte do mundo, não estava preparada para uma emergência desse tamanho, seria uma catástrofe social. Isso foi ventilado no Reino Unido, e eles rapidamente desistiram. A ideia de que há uma relação de troca entre saúde e economia, na minha avaliação e de meus colegas do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), é que não é bem assim. As pessoas já estão muito assustadas e não vão sair consumindo mesmo que se decrete o fim do isolamento de repente.

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A adoção do isolamento vertical no Brasil prejudicaria a população mais vulnerável?

Sim. Teremos de gastar algum tempo em quarentena. Seria reduzida aos poucos, com cuidados. Haverá, portanto, um custo econômico. Alguns passam a impressão de que há uma alternativa sem custo, que seria fazer o (isolamento) vertical. Mas isso não é verdade, como já mencionei. Estamos lidando com uma situação com grande potencial de instabilidade. Cabe uma resposta firme de política social e econômica. Nós temos os recursos. Os EUA vão gastar 5% do PIB. Aqui poderíamos gastar um pouco menos, 3%, 4% do PIB, deixando claro que são gastos temporários, mas ajudariam bastante A situação já não estava tão boa, o desemprego já vinha alto, a economia vinha crescendo pouco

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O senhor vem de uma família de médicos. Como vê a discussão entre salvar vidas ou salvar a economia?

- Eu não vejo esse trade-off (relação de troca) sendo tão marcante. É evidente que a opção é salvar vidas. Mas eu não creio que a economia se beneficiaria tanto (de uma suspensão da quarentena, que faria mais vítimas). E, num segundo momento, a economia poderia levar a um segundo baque. Estamos fazendo uma administração para ganhar tempo, minimizando as perdas humanas, é uma questão humanitária, reduzindo ao máximo possível o pico da demanda por UTI hospitalar e torcendo para que chegue logo o momento da vacina ou de alguma cura. Nesse meio tempo, é crucial que o governo apresente uma estratégia clara, que deveria englobar quatro grandes ações de resposta à crise: apoio à rede hospitalar, manutenção do abastecimento e da logística, ajuda à população mais pobre e socorro às empresas. Na questão da logística, é importante levar até as pessoas alimentos que, no Brasil, são produzidos em enorme abundância. Não podemos correr o risco de as pessoas passarem fome. Essa talvez seja a parte menos complicada, existe uma logística que funciona muito bem até nas favelas.

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Como apoiar os mais pobres?

- A referência já está dada, e é o que Marcelo Medeiros (especialista em desigualdade de renda e professor visitante na Princeton University) divulgou. É preciso usar o Cadastro Único, zerar a fila do Bolsa Família e depois ampliar o programa. É uma ferramenta que existe e precisa ser acionada rapidamente. O ideal neste momento não é buscar a perfeição, é soltar os recursos o quanto antes. Este é um uso nobre dos recursos, talvez o mais nobre, em paralelo aos recursos para o SUS. A outra frente de ação é o crédito para as empresas.

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As empresas devem ser socorridas?

- É uma solução de emergência. (Os economistas) Vinícius Carrasco, Alexandre Scheinkman e eu elaboramos uma proposta de linha de crédito bancada pelo setor público, diferente do que se vê na prática bancária, porque, ainda bem, banco não gosta de emprestar dinheiro para perder. O sistema financeiro tem de seguir saudável. Neste ponto, entra o governo. A ideia é garantir linhas que darão algum prejuízo. Isso não é uma hipótese. É impossível, nessa situação, desenhar linhas que salvem empresas e empregos duramente atingidos e deem resultado positivo. Mas haverá um resultado positivo indireto, de salvar empregos e negócios que funcionam bem, e é uma questão também humanitária.

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Qual é o fôlego para manter esse socorro à economia?

- Tenho algumas estimativas preliminares, acho que daria para manter até o fim do ano e, depois, se preciso, ter alguma adaptação. Os ciclos típicos dessas pandemias não são tão longos. Na medida em que apareçam vacinas e tratamentos, dá para ganhar a guerra. A expectativa é que a vacina surja em 12 a 18 meses, talvez menos. Quanto à cura, ninguém sabe. Então, uma estratégia radical (de abandono do isolamento) que, falando com muita transparência, vai matar muita gente, para mim não faz o menor sentido. Vamos dar um jeito de aguentar e ganhar tempo, o governo terá de ser solidário, as pessoas também.

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Para socorrer a economia, é preciso articulação política...

- Este talvez seja o maior problema. Há uma certa cacofonia de ideias, até certo ponto natural, mas que passou do ponto. Em algum momento alguém tem de tomar uma decisão e dizer: “é por aqui, e vamos executar”. Normalmente, numa situação de crise, existe um padrão de gestão que define claramente responsabilidades, desenha uma estratégia, planeja e executa as ações, monitora os eventos e se comunica com a nação. Isso precisa ocorrer urgentemente.

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