Postado às 05h37 | 08 Abr 2020
Fortalecido após vencer a queda de braço com Jair Bolsonaro e permanecer no cargo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, adotou nesta terça-feira (7) um tom mais conciliador, o que foi interpretado por integrantes do Palácio do Planalto como um sinal de busca de alinhamento.
Principal nome do governo federal na condução das políticas de enfrentamento do novo coronavírus, Mandetta tem robusto apoio popular, mas vinha sendo criticado abertamente pelo presidente da República, defensor de medidas menos restritivas e que contrariam a quase totalidade do que é praticado no mundo.
A tensão entre ambos chegou ao ápice na segunda-feira (6), quando Bolsonaro avaliou demitir o auxiliar, mas recebeu pressão contrária da ala militar do governo, de setores do Congresso e de sua própria base de apoiadores nas redes sociais.
Apesar dos movimentos de alinhamento e da pressão interna e externa, auxiliares mantêm o discurso de que a demissão não está descartada, que Bolsonaro é imprevisível e continua insatisfeito com Mandetta. Os dois têm uma reunião às 9h desta quarta (8) no Palácio do Planalto.
De acordo com relatos de aliados do ministro da Saúde, Mandetta adotou um tom duro na reunião ministerial de segunda, defendendo a sua linha de atuação pautada nos atuais consensos científicos, o que é seguido pela maioria dos países. Depois, o ministro seguiu para o ministério e replicou a fala dura em entrevista coletiva.
Integrantes da ala militar avaliaram que Mandetta exagerou no tom da entrevista, ocasião em que, mesmo sem se referir diretamente a Bolsonaro, repetiu diversas vezes que iria se pautar exclusivamente pela ciência.
O ministro ainda citou ter lido o "mito da caverna", de Platão, gesto interpretado por aliados de Bolsonaro como uma provocação para que o mandatário se livre das falsas interpretações que tem da realidade. Por isso, esses integrantes do governo pediram ao ministro que ele baixasse o tom.
A solicitação surtiu efeito, na avaliação de aliados de Bolsonaro. Mandetta manteve na entrevista desta terça seu discurso de que a pasta não recomendará a ingestão de cloroquina —medicamento tratado por Bolsonaro como uma solução para a atual pandemia— de maneira ampla para pacientes com coronavírus. Mas afirmou não se opor a que os médicos receitem o remédio se assim acharem adequado.
De todo modo, o ministro ainda afirma que não há estudos o suficiente que comprovam a eficácia do medicamento. Além disso, também informou que o ministério estuda o tratamento com outras nove substâncias.
"Para que possamos assinar que o Ministério da Saúde recomenda que se tome esta medida logo, nós precisamos de um pouco mais de tempo para saber se isso pode se configurar uma coisa boa ou pode ter algum efeito colateral. Não é questão de gostar de A, de B, de C. É simplesmente a gente analisar com um pouco mais de luz."
Diferentemente da véspera, Mandetta enfatizou nesta terça o tom conciliatório.
"Tudo o que estamos precisando agora é união. Tudo que estamos precisando agora é participação de todos, foco. É normal, ninguém consegue numa situação dessas ter um olhar só de um ângulo. No Ministério da Saúde, a gente tem dúvidas", afirmou.
"Às vezes as pessoas têm opiniões divergentes, é normal que tenham. Acho que é um conjunto de cabeças muito qualificado que pensam juntas e ontem [segunda-feira] fez um exercício coletivo", completou o ministro.
Ainda segundo ele, a hora é de mirar o futuro. "A gente tem que andar para frente, olhar para frente. Isso é uma experiência que a gente tem que olhar pelo para-brisa, para frente, usar pouco o retrovisor. Vamos tocar este barco nosso chamado Brasil, juntos."
Presente na entrevista, o ministro Walter Braga Netto (Casa Civil) também enfatizou o discurso de união.
Além da fala desta terça, integrantes do Planalto viram outros sinais de tentativa de alinhamento. (Folha)