Postado às 06h03 | 26 Abr 2020
Globo
Em meio ao cenário político turbulento após sua saída do governo com ataques ao presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro Sergio Moro vai entrar de quarentena em Curitiba para avaliar seus passos políticos nos próximos meses. A interlocutores, antes mesmo de pedir demissão, Moro tem afirmado que, na atual conjuntura, “nada mais distante do que 2022 agora”.
No entanto, o ex-juiz da Lava-Jato tem ciência de sua popularidade, maior do que a de Bolsonaro, e parece não ter interesse em fechar portas a eventuais convites políticos. Amigos próximos e colegas do Judiciário veem ambiente favorável para um eventual caminho eleitoral do ex-juiz daqui em diante.
— Sempre vou estar à disposição do país — afirmou Moro, na entrevista coletiva em que anunciou ontem a sua despedida do Ministério da Justiça.
A avaliação de aliados do agora ex-ministro é que sua popularidade o credencia a continuar na política e a buscar uma posição diferente da que tinha no governo, ou seja, sem estar subordinado a alguém. Durante os 16 meses em que esteve no cargo, Moro teve de se submeter a constrangimentos por decisões ou declarações de Bolsonaro divergentes de suas posições. Amigo de Moro, o advogado Luis Felipe Cunha, de Curitiba, avalia que o ex-ministro precisa levar em consideração seu papel social ao decidir pelo seu futuro.
— Penso e digo que o Sergio Moro já não pertence apenas a si mesmo. Ele é patrimônio da sociedade e essa responsabilidade precisa ser considerada em suas decisões para o futuro. Muitos que apoiavam esse governo o faziam pela figura do Sergio — afirma.
Um dos aliados de Moro no campo político é o atual governador de São Paulo, João Doria (PSDB). A aproximação começou ainda durante a Lava-Jato, quando Moro participou de encontros promovidos pelo Lide, empresa da família de Doria, dentro e fora do país. Um deles foi em 2018, no Lide Brazilian Investment Forum, em Nova York.
Principal rival de Bolsonaro entre os que almejam estar na disputa pela Presidência em 2022, o tucano sairia em vantagem num possível acordo com Moro. Doria, no entanto, teria mais trabalho para convencer Moro de caminhar junto com ele do que teve Bolsonaro após a vitória eleitoral em 2018.
— Muitas opções surgirão. Por ora, entretanto, após um longo período de trabalho ininterrupto, um tempo de descanso é mais do que recomendável — diz o colega curitibano do ex-ministro.
No seu grupo mais próximo, em Curitiba, a torcida é para que ele aceite entrar na política. Esse caminho era descartado no passado, mas agora pode ser considerado, como mostrou a fala de despedida do ex-juiz. Ao anunciar a saída do governo por princípios, o ex-ministro cresceu ainda mais na consideração de ex-colegas de Lava-Jato e de parte da comunidade jurídica.
No meio político, a frase de Moro dizendo que estará “à disposição do país” foi lida como um sinal de que o ex-ministro voltará ao cenário em um futuro não tão distante. Um interlocutor avalia ser improvável que ele aceite convites para funções em governos estaduais, mas pondera que a participação no plano nacional não pode ser descartada, ainda que Moro não diga explicitamente que deseja concorrer à Presidência.
Caso o caminho partidário seja trilhado, o Podemos já manifestou e deve renovar interesse em ter o ex-ministro em seus quadros quando a agenda de Moro permitir.
— Ele entendeu bem como é essa selva da política, que exige muita coragem para ter uma participação com dignidade. Acho que haverá um primeiro momento de defesa, porque virão agressões, mas, depois, se o caminho for a política, o Podemos está à disposição — diz o líder do Podemos no Senado, Álvaro Dias (PR).
O líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ) avalia que Moro demonstrou durante o período em que foi ministro ter “potencial” para seguir na política.
— Do meu ponto de vista, ele seria muito bem-vindo no Novo. Valores do partido são muito alinhados com que ele acredita. Boa parte da motivação que tive para entrar na política se deve à atuação dele como juiz — disse o deputado.
Na visão de cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, manter-se na política é o caminho mais provável para Moro daqui para frente. O ex-ministro, no entanto, encontra diante de si agora, conforme destacam os especialistas, a possibilidade de se encarar os primeiros desafios eleitorais da carreira. A aprovação conquistada durante os 16 meses de participação no governo — em dezembro, 53% dos entrevistados pelo Datafolha consideravam sua gestão boa ou ótima — é o capital que poderia incentivar o ex-juiz a se colocar diante do julgamento das urnas.
— Moro também agiu politicamente ao deixar o governo e se cacifou para para ser candidato e alçar novos voos políticos, agora em carreira solo — afirma o cientista político Antonio Carlos Mazzeo, da Universidade Estadual Paulista (UNESP). —É natural que inicialmente ele se retire para repensar o futuro, mas é provável que opte por um futuro político.
Para Mazzeo, o agora ex-ministro pode vir a ser candidato à Presidência da República em 2022 em partidos de posições conservadoras. Entre os palpites do pesquisador, estão o PSDB e o DEM, legenda de outro ex-ministro com potencial eleitoral: Luiz Henrique Mandetta.
— Moro tem um perfil claramente conservador. E de centro-direita. Partidos para ele o Brasil tem, até porque aqui são poucos os partidos nos quais os políticos demonstram ter criado identificação ideológica. Há um espaço enorme para ele, e é provável que muitos partidos o convidem. Ele só não pode esquecer, caso pense em ser candidato, que Luiz Henrique Mandetta também poderá ser — diz.
Cientista político e professor da ESPM no Rio de Janeiro, Fábio Vasconcellos também acredita que Moro pode despontar como uma opção para as siglas de centro-direita, caso o ex-ministro opte por seguir no jogo político. Ele poderia ser, inclusive, uma resposta à demanda do eleitorado de direita que não compactua com posições mais radicais do presidente Jair Bolsonaro — o que também o colocaria como uma ameaça para outros políticos que têm se colocado como alternativas mais amenas.
— Ele poderia até trabalhar para a iniciativa privada, por exemplo, mas não vejo isso ocorrendo com a aprovação que conquistou. Trata-se de um capital político muito grande, que serviu para legitimar o governo junto à opinião pública durante o período no ministério. Caberá a ele avaliar se pretende disputar eleições, uma decisão que não é fácil, dado que os candidatos são submetidos a muitas críticas e questionamentos — avalia Vasconcellos.
Os especialistas, no entanto, ponderam que os próximos dois anos podem não só catapultar Moro rumo ao Palácio do Planalto como também arrefecer o peso da popularidade conquistada até hoje.
— Muita coisa acontece em dois anos. Agora, o governo está em um momento de baixa diante da opinião pública, em parte por causa da crise com a pandemia da Covid-19. A recuperação é difícil, mas não impossível. A saída de Moro acentua essa baixa. No entanto, ainda é prematuro pensar que o cenário de 2022 já está formado — lembra Vasconcellos
Ao aceitar o cargo de ministro de Bolsonaro, Moro teve de pedir exoneração do cargo de magistrado da Justiça Federal. Ou seja, ele só voltaria a ser juiz se prestasse outro concurso público, o que está descartado. Ao se despedir da carreira de juiz, Moro disse que sabia dos riscos ao abandonar uma história de 22 anos para integrar a equipe do governo.
Formado em Direito, Moro pode abrir seu próprio escritório de advocacia criminal, mas não parece ser essa uma opção imediata para o ex-juiz. Uma alternativa é trabalhar na iniciativa privada. Só na quinta-feira, antes da concretização da saída, segundo uma pessoa próxima, três empresas manifestaram interesse em ter Moro como funcionário. Ele poderia cuidar das áreas de governança e compliance ou até do departamento jurídico.
Outra das alternativas é Moro se engajar numa luta internacional contra a corrupção, mas isso vai depender de como se movimentará o mundo depois da pandemia de Covid-19.
Ainda durante a Lava-Jato, Moro cogitava a possibilidade de passar algum tempo fora do Brasil, desenvolvendo algum projeto em universidade estrangeira e fazendo palestras sobre o rastreamento de dinheiro sujo — algo que ele sabe bem como funciona, tanto na área de corrupção governamental como no tráfico de drogas e armas.
Antes da Lava-Jato, Moro foi responsável por colocar na prisão o traficante Fernandinho Beira-Mar, numa operação que incluiu rastreamento da lavagem de dinheiro promovida dentro e fora do Brasil. Também foi ele quem ratificou o primeiro acordo de delação do doleiro Alberto Youssef, dentro da Operação Banestado, que investigou uso de contas de transferência de recursos para o exterior, na época batizadas de CC-5.
No momento, essa opção deve ficar em segundo plano, não só pela pandemia causada pelo coronavírus, mas também pela efervescência política do país e dos sinais de que o ex-juiz tomou gosto pelas disputas de poder em Brasília.