Postado às 06h46 | 17 Ago 2020
O presidente Jair Bolsonaro deve encontrar dificuldades, pelo menos por enquanto, para atrair o apoio do MDB na disputa pelo comando da Câmara dos Deputados a partir de 2021. O partido tem sinalizado, diante de alguns gestos de aproximação do presidente, que pretende manter a linha independente que o levou a se desligar do Centrão, bloco parlamentar que ocupa cada vez mais espaço no governo.
A iniciativa de Bolsonaro de convidar o ex-presidente Michel Temer (MDB) para liderar a missão humanitária brasileira no Líbano foi vista, no meio político, como uma tentativa de aproximação com o MDB. Além do convite, o presidente viajou a São Paulo para participar da solenidade de partida da missão e trocou afagos com Temer e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o emedebista Paulo Skaf.
Também foi interpretada como um flerte de Bolsonaro a escolha do deputado Ricardo Barros (PP-PR), do Centrão e ex-ministro da Saúde de Temer, como novo líder do governo na Câmara. O ex-presidente, mesmo com o desgaste da prisão no processo do decreto dos portos, ainda exerce certa influência no MDB.
A primeira resposta ao gesto de Bolsonaro partiu do presidente do partido, deputado Baleia Rossi (SP), que tentou se antecipar a qualquer interpretação equivocada. “Sucesso ao presidente Temer na missão no Líbano, que é 100% de caráter humanitário e zero por cento de caráter político-partidário. O Líbano é uma nação irmã e merece nossa solidariedade e nossa prece”, tuitou o parlamentar.
Baleia Rossi, autor da principal proposta de reforma tributária em discussão na Câmara, é o nome preferido do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para sucedê-lo no cargo nas eleições de fevereiro de 2021. Com o aval de Maia, o MDB e o DEM anunciaram, no fim de julho, o desligamento do Centrão para formar um bloco independente com o PSDB.
O compromisso com a independência da Câmara em relação ao governo é um dos principais pré-requisitos exigidos de um postulante à presidência da Casa. O movimento do MDB e do DEM enfraqueceu o poder de articulação do deputado Arthur Lira (AL), líder do PP e do Centrão e nome preferido do Planalto para a disputa pela sucessão de Maia. Muito próximo de Bolsonaro, Lira tem atuado como líder informal do governo na Câmara e participado de todas as negociações de cargos para o Centrão na administração federal.
No vaivém da política, a ofensiva do Planalto é um novo caminho que se abre para o MDB, mas ainda não se vê, pelo menos até agora, qualquer sinal de mudança de rumo na sigla. A única certeza é de que o partido, dono de uma bancada de 35 deputados federais, virou objeto de uma disputa que está apenas começando.
O deputado Alceu Moreira (MDB-RS) elogiou os gestos de aproximação de Bolsonaro, afirmando que a boa relação entre os Poderes é sempre bem-vinda, principalmente na crise atual. Porém, o parlamentar reforçou que o partido segue firme com o propósito de manter independência em relação ao Planalto. Esse posicionamento quebra uma longa tradição do MDB, conhecido por negociar, durante os últimos governos, cargos federais em troca de apoio no Congresso.
Moreira explicou que o partido, ao lado do DEM e do PSDB, decidiu abandonar o Centrão para ter protagonismo em discussões importantes na Câmara. “Se continuássemos no Centrão, não teríamos esse protagonismo. Mas isso não significa que saímos do Centrão para sermos contra o governo. Nós queremos ter independência”, declarou o parlamentar, destacando o compromisso do partido com as reformas. Segundo ele, dentro do partido, o convite de Bolsonaro a Temer foi visto como um “gesto de carinho e respeito”.
“Na questão do Michel Temer, o próprio Bolsonaro percebe que grande parte da evolução da economia nasceu naquelas reformas feitas pelo presidente Temer. Eu acho que esse foi um gesto de grande elegância e inteligência. Primeiro, o presidente Temer é libanês, e ele, Bolsonaro, aproveitou e pegou um ex-presidente e fez isso. Para nós do MDB, não tenha dúvida, foi um gesto de carinho, de respeito”, disse Moreira.
Já o deputado Celso Maldaner (MDB-SC), diferentemente da maioria dos seus correligionários, admitiu que toda essa movimentação tem como pano de fundo a disputa pelo comando da Câmara. “É claro que a saída do MDB e do DEM do Centrão tem muito a ver com a sucessão na Câmara. Com certeza, vai refletir na sucessão do próximo presidente da Casa”, previu o parlamentar.
Maldaner também reafirmou a independência da legenda em relação ao Executivo. “Eu, como presidente do MDB estadual, e também como deputado federal, defendo essa decisão que foi tomada por unanimidade, e aqui vai o nosso reconhecimento ao espaço democrático aberto por nosso líder Baleia Rossi, nosso presidente nacional. Ele respeita as decisões, ouve toda a bancada, e foi uma decisão tomada por unanimidade, de independência em relação ao Executivo”, disse Maldaner. “Mas, em tudo o que for bom para o Brasil, o Bolsonaro pode contar com o apoio do MDB.”
A disputa pelo comando da Câmara foi antecipada com a decisão de Bolsonaro de articular uma base parlamentar de apoio para isolar Rodrigo Maia, visto como um adversário. Em abril deste ano, o presidente, acuado por dezenas de pedidos de impeachment na Câmara e por investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), acabou se rendendo a práticas que ele chamava de “velha política”, como a oferta de cargos em troca de apoio no Congresso. Na semana passada, a escolha do deputado Ricardo Barros como novo líder na Câmara ampliou ainda mais o espaço do Centrão no governo, após o bloco parlamentar ter assumido cargos bastante cobiçados na administração federal.
“O novo modelo de relacionamento do presidente com o Congresso, a partir da aproximação com o Centrão, tem um peso muito importante no jogo político. O presidente, agora, tem interlocutores mais tarimbados, como o novo líder Ricardo Barros, o que torna o diálogo parlamentar mais natural. Aqui, podemos afirmar que a ‘velha política’ se sobrepôs à ‘nova’, de maneira absolutamente legítima, em um governo que se espera de coalizão”, avaliou o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.