Postado às 05h07 | 14 Out 2020
Hoje, a economia do Brasil gira em torno da dúvida, do que pode e do que não pode, em função do “teto de gastos”.
Ninguém em sã consciência é a favor da irresponsabilidade fiscal. Mas, cabem algumas análises.
A grande maioria desconhece esse mecanismo, mas repete o jargão de que “terá de ser mantido, em qualquer situação”. O “teto” é uma boa intenção. Todavia, nunca deve transformar-se em “dogma”.
Aprovado em 2016 (EC 95), limita o crescimento das despesas do governo, até 2036. Nesse período, o orçamento deve ser sempre igual ao do ano anterior, acrescido apenas da inflação.
Restringem-se despesas primárias, como gastos em saúde, investimentos públicos, segurança e salários. Ficam fora desse limite, o pagamento de juros da dívida, transferências a estados e municípios, o FUNDEB, fundos eleitorais e despesas com empresas estatais.
Trocando em miúdos: permite-se despesa além do “teto”, para pagar juros a bancos, compromissos com estatais e gastança eleitoral. Mas, proíbem-se investimentos, que ampliem pesquisas nas Universidades, programas sociais, segurança pública, melhorias do SUS etc.
Caso o limite de despesa seja ultrapassado, repete-se a solução de sempre, com os “únicos sacrificados” sendo os servidores públicos. A punição é corte linear dos vencimentos e da carga horária, deixando intocados os privilégios tributários e aqueles dentro do próprio serviço público.
Estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas concluiu que, a partir de 2022, o cumprimento do teto implicará na paralisação da máquina pública.
Isso ocorreria em cenário pós pandemia, de queda da arrecadação, com o governo reduzindo despesas em infraestrutura e logística, indispensáveis para atração do necessário investimento privado.
Até as eventuais “sobras” orçamentárias” e aumento na arrecadação vão para o pagamento da dívida, que significa beneficiar instituições financeiras públicas e privadas, no mercado financeiro, interno e externo
Na aprovação da PEC 95, os “lobistas” inibiram a reforma fiscal futura, ao introduzirem a regra de que o “teto” não será alterado, mesmo na hipótese de novos impostos, aumento de tributos existentes, ou a necessária revisão e eliminação de certas renúncias fiscais.
A grande incógnita é o que acontecerá no dia 1° de janeiro de 2021, quando terminará a calamidade pública e voltará a valer o “teto de gastos”, na sua forma originária. Até 2036, os investimentos do governo não terão um tostão de aumento.
A perspectiva é o prolongamento da recessão.
Como sobreviver uma economia submetida a ajustamento fiscal drástico, em relação aos níveis de atividade e emprego, o que põe em risco a intenção de ajustamento das próprias contas públicas.
Salta aos olhos, que faltará dinheiro no atendimento às necessidades urgentes da população. O razoável serão mudanças no “teto”, que permitam ajustamento gradual, para evitar a maior contração fiscal da história nacional, decorrente de inadequado tratamento de choque.
Torna-se impossível manter o teto, como um fim em si mesmo. O equilíbrio nas contas públicas deverá servir para o Estado cumprir as suas funções sociais (artigo 170 CF). Há enganoso maniqueísmo na afirmação, de que nada poderá ser alterado.
O teto já foi ajustado pela EC 102, que permitiu a União repassar recursos na cessão onerosa do pré-sal (2019).
O momento nacional exige diálogo federativo, preservação dos serviços públicos essenciais e garantia da segurança alimentar.
Não se contesta, que o limite de gastos ajude o equilíbrio das contas públicas. Todavia, massas famintas são ingovernáveis, não há como conte-las com a lei. “O estômago vazio só conhece as leis das suas necessidades” já dizia o orador nordestino Raymnundo Asfora.
Há outras alternativas viáveis de “ajustes responsáveis”, que podem ser aperfeiçoadas. Por exemplo: vincular ao crescimento do PIB e não a inflação. Ou, a opção do teto duplo: um que cresça de 1% a 2% acima da inflação até 2036; ou outro, que não incluísse investimentos públicos e crescesse de 0,5% a 1,5%, acima da inflação.
Chegou a hora dos legisladores nacionais enfrentarem este desafio, com lúcida noção de responsabilidade fiscal, adaptando o “teto” aos novos tempos do pós Covid-19.
A indagação é se esses legisladores estarão preparados para tal missão no Congresso Nacional?
Se não estiverem, a culpa cairá nas costas do eleitor, que os elegeu!
O Brasil pagará caro!
LEIA TEXTO PUBLICA NO "DIÁRIO DO PODER" EDITADO EM BRASÍLIA, DF.
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