Postado às 05h10 | 06 Abr 2022
A recente eleição presidencial no Chile e a aproximação das eleições brasileiras justificam reflexões sobre os modelos político e econômico dos dois países.
Ouvia-se, que o Chile era a Taiwan da América Latina.
Esse paraíso resultaria da implantação de política econômica inspirada nos economistas americano Milton Friedman e o austríaco Friedrich von Hayek.
Ambos, acolhidos pelo ditador Pinochet, partiram do princípio de que o Estado de bem-estar social, fortalecia o comunismo e desestimulava os menos arrojados de procurarem trabalho.
Para eles, o desemprego era resultado das políticas assistenciais do Estado de bem-estar.
Em consequência, instalou-se no Chile um modelo pró-mercado, permitindo o fornecimento privado de bens e serviços, inclusive na educação e previdência social.
Tal orientação econômica mudou, com a recente “reviravolta” popular, que levou a cadeira presidencial o jovem Gabriel Boric, de 36 anos, acusado de radical pelos grupos conservadores.
A indagação é se o resultado eleitoral chileno significaria a vitória das esquerdas latino americanas?
Aí está o centro do debate.
Em primeiro lugar é necessário mencionar o fracasso da política econômica chilena, que alimentou revoltas e insatisfações.
O país descuidou da prioridade social e concentrou-se na obsessão com equilíbrio fiscal, controle inflacionário, através de medidas de privatizações em massa, abertura ao mercado externo, reforma trabalhista, redução do gasto público e do papel do Estado em áreas-essenciais.
O governo chileno aprovou reformulação das regras trabalhistas, com forte redução da proteção aos trabalhadores e às organizações sindicais.
Abriram-se portas às universidades privadas, sem maiores exigências de qualidade e preço.
A educação virou um bom negócio.
No setor previdenciário, a mudança para um regime de capitalização, dominado pelos bancos - no qual cada indivíduo faz sua própria poupança - também causou forte impacto negativo.
Quando o novo modelo começou a produzir resultados, os aposentados tinham aposentadorias de menos de um terço da remuneração da ativa.
Na área da saúde, surgiram as instituições de saúde preventivas privadas, na prática representando a privatização da seguridade social.
Quem dispunha de recursos, saúde privada e acesso a seguros, conseguia os medicamentos dos quais necessita.
Significa dizer, se tiver dinheiro sobrevive; se não, morre.
O preço da moradia aumentou até 150%, enquanto os salários apenas 25%, segundo estudo da Universidade Católica chilena.
Neste contexto, a eleição de Gabriel Boric não significou vitória das esquerdas latino-americanos.
Foi decorrência da insistência dos governos em praticarem erros numa política econômica sem a visão social, que tornasse possível associar o lucro legítimo com a promoção do emprego e condições dignas de trabalho.
Além disso, a nova geração, da qual Boric faz parte, decidiu ir às ruas, anunciando que pretende ajudar a reinventar o modelo político-econômico nacional e afastar a herança da ditadura militar de Augusto Pinochet, entre 1973 e 1990.
No dia da sua posse, Boric declarou: “Elites não têm de concordar comigo, mas não precisam ter medo”.
Ele parece em sintonia com a esquerda europeia, do que com a latino-americana. Numa prova de que não deseja identificar-se com os extremismos, Boric criticou os ditadores Ortega e Maduro, que não foram convidados para a cerimônia de sua posse, assim como o cubano Miguel Díaz-Canel.
A grande lição chilena aplicável às futuras eleições brasileiras é a fé na democracia, superando divergências, sem adesismos, como meio de reduzir tensões e as desigualdades aberrantes, que põem em risco a paz social.
Infelizmente, no Brasil há alguns indícios preocupantes no quadro pré-eleitoral.
De um lado, vê-se nociva radicalização política, ameaças aos poderes constitucionais e transformação de adversários em inimigos.
De outro, elogios a ditadores como Daniel Ortega, reeleito pela sétima vez na Nicarágua, após mandar prender os seus opositores; aplausos a Maduro, com afirmações de que “há democracia demais na Venezuela” e considerar amigo o ex-ditador iraniano Ahmadinejad.
Ainda não é possível antecipar o que acontecerá no Chile, após a eleição de Boric.
Hoje, a democracia chilena mostra-se estável.
Amanhã, espera-se que o mesmo aconteça no Brasil, embora pelo “andar da carruagem” os riscos sejam de apreensão.