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Análise: "Começa o futuro incerto da Argentina"

Postado às 05h13 | 09 Dez 2023

Milei recebeu o ex-presidente Bollsonaro, que estará presente na posse

Ney Lopes

Javier Milei assume amanhã, 10, a presidência da República da Argentina.

Pelo seu estilo inusitado, cabelo bagunçado e jaqueta de couro, há expectativa sobre como irá governar, sobretudo pelas promessas que fez em campanha.

Coincidentemente, nesta mesma data, no ano de 1990, tomava posse na Polônia, Lech Walesa, um operário de estaleiro, que se tornou o primeiro presidente a ser eleito pelo voto popular, após o período do comunismo.

A eleição de Walesa não era previsível e surpreendeu o mundo.

Na Argentina, a maior interrogação é saber se Milei irá priorizar apenas as questões ligadas a crise econômica, inflacionária e a percepção de corrupção no poder, ou, assumirá posições negacionistas, em relação a mudança climática, as funções sociais do Estado e isolacionismo na política externa.

O que se percebe é que o Milei da campanha, não é mais o Milei de hoje.

"O Leão" – seu apelido – de repente parou de rugir.

Encerrou o primeiro turno, abandonando sua motosserra e equilibrando a retórica com propostas para os moderados céticos.

Conhecido por  suas explosões de raiva, deu sinais de calma e abraçou a classe política, depois de ameaçar que iria destruí-la.

A mudança de comportamento de Milei lembrou o ex-presidente argentino Carlos Menem, quando declarou: "Se eu tivesse dito o que ia fazer, ninguém teria votado em mim".

A estratégia deu certo. Falta ver se dará também no governo.

Os sinais até agora são promissores.

Milei demonstra seguir a linha de pragmatismo e liderança para cumprir a sua missão.

Isto ficou demonstrado com as nomeações de adversários como Marco Lavagna, de Daniel Scioli como embaixador no Brasil e dos colaboradores de Sergio Massa na Alfândega e Fazenda.

Integrou Patricia Bullrich, sua concorrente,  em posição de destaque no governo.

Por essas razões, ninguém pode antecipar que medidas vai tomar, quais serão os comportamentos com que vai se manifestar perante a sociedade, qual será a sua tolerância perante opiniões diferentes.

Um novo ciclo começa, mas o processo de reconfiguração política provavelmente não acabou.

Agora, Milei tem a palavra.

Um fato chama a atenção: na próxima terça se encerra a COP 28 (Conferencia sobre mudanças climáticas), na qual a Argentina esteve representada com delegação de onze pessoas do governo Alberto Fernández, que se comprometeu em reduzir desastres climáticos e discutir o financiamento global para alcançar esses objetivos.

Na campanha Milei negou o aquecimento global, mesmo diante de evidências científicas.

Entretanto, a Constituição argentina estabelece direitos e deveres sobre a proteção ambiental.

Consagra a proteção do meio ambiente como uma obrigação.

Portanto, o governo deve fornecer a proteção desse direito, para o uso dos recursos naturais, a preservação do patrimônio natural e cultural, a diversidade biológica, a informação e educação ambiental.

O texto constitucional é abrangente e por enquanto Milei não disporá de votos no Congresso para modificá-lo.

Em razão disso, tornam-se difíceis as suas propostas, que dependem de mudança constitucional, tais como,   dolarização da economia,  eliminação do Banco Central,  porte livre de armas, venda de órgãos de seres humanos, privatização do espaço público, revogação do aborto,  casamento igualitário, privatização de estatais e recursos naturais - como a indústria de hidrocarbonetos, os rios e o mar -, pulverização da justiça social, cortar as relações comerciais com o Brasil e a China, para dar apenas alguns exemplos.

As incertezas pairam no ar.

O novo presidente argentino chega a Casa Rosada em conflito com o Papa Francisco, que é motivo de orgulho nacional, a quem acusou de "comunista" e "a encarnação do maligno".

Francisco nunca respondeu e o cumprimentou pela vitória.

A partir de amanhã começará a ser revelada a verdadeira face de Javier Milei, com o início do seu mandato presidencial.

O que se espera é que Milei seja julgado pelo que fará no governo e não pelo que disse na campanha.

Que tudo dê certo, é o que se deseja.

Texto publicado hoje no jornal AGORA RN

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