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Análise: A destruição da democracia americana

Postado às 05h29 | 31 Jul 2020

Globo

Os Estados Unidos nunca suspenderam uma eleição presidencial, como sugeriu hoje Donald Trump, nem mesmo em plena guerra civil ou durante as guerras mundiais. O coração da grande democracia americana é a eleição de seu presidente pelo voto dos delegados que emergem do sufrágio universal a cada quatro anos, na primeira terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro. O imenso poder de que goza o primeiro magistrado da República tem sua origem precisamente no respeito escrupuloso a uma regra à qual todos os candidatos se submetem e que todos aceitam, antes e depois do resultado das urnas.

Até hoje. Agora, há um presidente na Casa Branca que já anunciou sua relutância em aceitar o resultado das eleições em 3 de novembro, se ele próprio não for o vencedor. Sua desconfiança em relação ao sistema eleitoral é conhecida, especialmente dadas as expectativas de resultados adversos. Após sua vitória em 2016, com três milhões de votos a menos que sua rival Hillary Clinton, graças a um sistema eleitoral que põe territórios acima dos cidadãos, ele defendeu a farsa de uma fraude maciça pelo Partido Democrata, e promoveu uma investigação que não levou a nenhuma conclusão confiável.

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Antes da explosão descontrolada da pandemia, fruto de sua gestão louca e irresponsável da Casa Branca, ele ainda confiava no bom progresso da economia e na vantagem do titular quando concorre pela segunda vez nas eleições. Agora tudo entrou em colapso. Seu prestígio está no chão, mesmo nas fileiras republicanas. Muitos senadores e deputados temem por seus assentos, arrastados pela crescente perda de prestígio do presidente. Nem uma única pesquisa é favorável a ele, nem mesmo em estados que mudam de voto e naqueles com voto republicano consolidado. Só faltava a cifra terrível de uma queda de 9,5% na economia do país no segundo trimestre do ano.

Assim se precipitaram as ameaças que eram esperadas para o outono no Hemisfério Norte. Não se trata mais de duvidar do resultado eleitoral, caso ele seja desfavorável. Tampouco de impedir o voto pelo correio, o mais bem controlado e mais seguro contra fraudes, que permitirá que o voto democrata seja mobilizado mesmo em situações de pandemia extrema. Agora, Trump pretende, pura e simplesmente, suspender e adiar as eleições, uma decisão na qual ele não tem nenhum poder legal e que, se materializada, significaria a destruição do sistema democrático.

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No momento, é apenas um desejo expresso em um tuíte. Veremos qual o desdobramento que suas manifestações terão no Partido Republicano e na Casa Branca. O provável, no momento, é que não dê em nada. Seria necessária uma lei do Congresso para tomar uma decisão tão séria. Mas este foguete ultrajante lançado inesperadamente pelo presidente já anuncia sua enorme vontade de atrapalhar a eleição presidencial e sua recusa a admitir a derrota que se desenha no horizonte.

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