Postado às 04h32 | 15 Jul 2020
O aumento de casos do coronavírus nos EUA pode sedimentar uma tendência de virada democrata em estados historicamente republicanos, como Texas, Arizona e Geórgia.
As consequências da pandemia que já matou mais de 136 mil americanos também podem fazer com que regiões como Flórida e o Cinturão da Ferrugem, que oscilam na preferência entre os partidos a cada eleição, saiam de vez da órbita do presidente.
Todos eles foram atingidos pelos novos surtos de Covid-19 no país e têm refletido a mudança de humor do eleitorado diante da falta de liderança de Donald Trump para controlar a crise.
A postura errática tem erodido a base do presidente e alçou Joe Biden, seu adversário na disputa de novembro, à frente das pesquisas até mesmo onde há décadas um democrata não é escolhido à Casa Branca.
Em meados de março, por exemplo, antes de a pandemia estourar nos EUA, Trump superava Biden por quatro pontos percentuais no Arizona, mesma diferença que tivera em relação a Hillary Clinton no estado em 2016.
Com o agravamento da crise, porém, o cenário mudou para Trump.
Segundo o FiveThirtyEight, site que compila diariamente a média das principais pesquisas do país, Biden ultrapassou o republicano em cerca de dois pontos e hoje tem 46,8% ante 44,6% do presidente.
A maior vantagem do democrata até agora no estado —de quase cinco pontos— foi em 30 de junho, quando o Arizona atingiu o recorde de 4.797 novos casos de Covid-19 em um único dia, sob o negacionismo de Trump, que insiste em defender a reabertura econômica mesmo sem a queda dos índices de transmissão.
Governado pelo republicano Doug Ducey, o Arizona retomou as atividades em meados de maio e hoje assiste à piora severa no número de diagnósticos, que já somam quase 124 mil, além de 2.200 mortes.
O último candidato democrata à Casa Branca a vencer no Arizona foi Bill Clinton, em 1996, mas mudanças demográficas recentes —com eleitores jovens, latinos e mais progressistas, muitos deles contratados para trabalhar em empresas de tecnologia— transformaram a região em uma peça em movimento.
Em 2018, os eleitores do estado escolheram pela primeira vez em 30 anos uma democrata ao Senado, Kyrsten Sinema, sinalizando que o descontentamento com Trump estava aumentando.
A pandemia acelerou a perda de apoio do presidente entre os brancos e de baixa escolaridade —perfil de grande parte da população do Arizona— e de mulheres das regiões metropolitanas que rechaçam cada vez mais a postura agressiva e pouco responsável do republicano.
O argumento dos bons índices econômicos nos EUA, que antes era usado por muitos deles para justificar o voto em Trump, está prejudicado com a grave recessão, que levou a taxa de desemprego de 3,5% para 13%.
Em outros estados tradicionalmente republicanos, como Texas e Geórgia, o roteiro sob a pandemia tem sido o mesmo, porém, com uma virada mais recente e também mais apertada a favor de Biden.
Os números começaram a melhorar para o democrata nessas regiões no meio de junho, quando novos picos do coronavírus atingiram o Sul e a Costa Oeste dos EUA —agora já são ao menos 39 dos 50 estados americanos com aumento de diagnósticos, e a situação no país parece novamente sem controle.
Assim como o Arizona, o quadro no Texas é bastante alarmante. São mais de 273 mil casos e 3.200 vítimas, com repiques de novas infecções que começaram a se agravar no mês passado.
O período coincide justamente com a perda de vantagem de Trump sobre Biden no estado.
O presidente liderava pesquisas no Texas com até quatro pontos percentuais, mas a diferença despencou em junho e, neste sábado (11), Biden chegou a marcar 0,2 ponto à frente.
Trump voltou à liderança no início da semana, superando o adversário com 0,1 ponto.
A margem é apertadíssima e pode mudar até novembro, mas o fato é que os dados preocupam a campanha do presidente em um estado que não elege um democrata à Casa Branca desde 1976.
Há quatro anos, Trump ganhou de Hillary por nove pontos percentuais no Texas —52% a 43%—, mas era a primeira vez que um nome democrata perdia por apenas um dígito desde a década de 1990, indicando que o xadrez ali tenderia a ficar mais competitivo.
Em 2018, o democrata Beto O'Rourke foi derrotado por pouco na corrida ao Senado, mas ajudou a mobilizar eleitores em cidades como Dallas e Houston —e hoje é um dos cabos eleitorais de Biden no estado.
Nesta terça (14), Biden anunciou reforço de sua equipe no Arizona e novos anúncios de TV específicos para o Texas, reforçando sua prioridade nas grandes cidades desses estados.
Centros urbanos são foco da oposição a Trump também na Geórgia e sua capital, Atlanta, onde a maioria da população é negra e tem sofrido desproporcionalmente com a pandemia.
Biden ultrapassou Trump nas pesquisas da Geórgia no meio de junho e está um ponto à frente do presidente.
Outro alvo da campanha democrata é o eleitorado branco e pouco escolarizado, um dos principais nichos da base de Trump e que, descontente com o presidente, pode fazer com que estados-pêndulo —os que variam entre os partidos a cada pleito— voltem para democratas depois de quatro anos.
Nessa categoria, a Flórida, além de Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, no Cinturão da Ferrugem, são os que mais têm alarmado a Casa Branca.
Na Flórida, Trump ganhou de Hillary por 1,2 ponto há quatro anos, mas Biden abriu 6 de vantagem nas últimas semanas, conforme a pandemia se agravava de forma vertiginosa no estado.
Neste fim de semana, a Flórida registrou mais de 15 mil casos de Covid-19 em 24 horas, a maior marca de infecções diárias desde o início da pandemia —o recorde era de Nova York, com cerca de 12 mil. Apenas nesta terça, foram 132 mortos no estado em um dia.
Apesar da gravidade —são 282,4 mil casos e 4.200 mortes—, o governador republicano Ron DeSantis, aliado de Trump, impulsiona a reabertura da economia desde abril e diz que escolas voltarão a funcionar presencialmente em agosto, como deseja o presidente.
Auxiliares de Trump tentam convencê-lo a ser mais disciplinado e adotar uma postura mais grave diante da pandemia —no fim de semana, ele usou máscara em público pela primeira vez.
Mesmo com a cena inédita, o presidente não parece disposto a mudar radicalmente seu comportamento e tenta manter a retórica agressiva e pró-economia como aceno a sua base.
O cenário atual não é favorável a Trump, mas ainda faltam pouco mais de três meses para a eleição.
Em meio a uma pandemia que se move como focos de incêndio —e com um presidente que não apaga chamas—, é preciso esperar para saber onde o fogo estará em novembro.