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A pandemia ainda não acabou

Postado às 05h20 | 05 Ago 2020

Estado

O Brasil caminha a passos largos para atingir a marca dos 100 mil mortos por covid-19 nesta primeira quinzena de agosto, caso seja mantida a terrível média móvel de cerca de mil óbitos por dia. É o segundo país com o maior número de vítimas fatais do novo coronavírus, perdendo apenas para os Estados Unidos, que registram quase 160 mil mortos. No entanto, essa tragédia sem precedentes na história recente do País não mais inibe o retorno inoportuno às práticas que, potencialmente, podem elevar ainda mais o número de mortes, como se à medida que o tempo passa a estatística infeliz deixasse de calar fundo nos corações e mentes de cada vez mais brasileiros que a tomam simplesmente como mais um fato da vida.

Por variadas razões, uma grande parte da sociedade parece esgotada após meses de confinamento e privações de toda sorte. Em capitais como São Paulo, Rio, Florianópolis e Fortaleza, são cada vez mais frequentes as aglomerações no comércio, praias e bares, os congestionamentos e a superlotação dos transportes públicos, sinais inequívocos de que, se para muita gente a vida não se alterou pela emergência sanitária – caso dos trabalhadores aos quais não foi dado ficar em casa no período –, voltou ao normal para tantas outras pessoas, como se o vírus mortal não estivesse mais circulando entre nós. Não é hora de baixar a guarda. O novo coronavírus não ouvirá as vozes das maiorias que pedem sua partida, seja em São Paulo, no Rio, em Berlim ou em Londres.

Esse retorno desordenado à chamada vida normal é preocupante. Muitos cidadãos perderam o medo de sair de casa e, sem os devidos cuidados, voltar a provocar aglomerações, andar sem máscara e passear. O que dizer da quantidade de pessoas que se amontoaram na orla da zona sul do Rio no fim de semana passado? Já foi amplamente esclarecido que práticas ao ar livre não são prejudiciais à saúde, ao contrário, mas desde que sejam respeitados o distanciamento social e o uso correto de máscaras. As imagens que foram divulgadas pela imprensa falam por si sós.

É possível inferir que alguns fatores contribuem para esse descuido que, no limite, pode matar, se não o próprio descuidado, alguém que cruze o seu caminho. Há desde o incentivo das autoridades, a despeito das recomendações médicas, para que a vida “normal” seja retomada, a começar pelo presidente da República, até a falsa ideia segundo a qual “o pior já passou”. Nada mais longe da verdade. E perigoso.

O avanço científico na busca por uma vacina segura e eficaz contra o novo coronavírus – há respeitáveis autoridades sanitárias que acreditam que um imunizante poderá ser produzido ainda neste ano no Brasil – também pode ser um fator que deixe algumas pessoas mais relaxadas. Mas, por mais avançado que seja o conhecimento humano sobre patógenos e formas de prevenção de contágio, a ciência ainda não foi capaz de criar imunidade por boa perspectiva ou proteção por esperança. Convém esperar a apresentação dos resultados dos testes, que oxalá serão bem-sucedidos, a produção da vacina e a distribuição para a população.

O Brasil estaria em situação muito melhor caso tivesse adotado uma robusta política de testes massivos, como fizeram outros países que mostraram sucesso no combate ao novo coronavírus e no processo de retomada das atividades. Mas isso não ocorreu. Testamos pouco, em que pese o esforço de organizações da sociedade civil, como o Todos Pela Saúde, que com suas doações aumentaram substancialmente a capacidade de processamento de resultados pelo SUS. Mas de nada adiantam os insumos se as três esferas de governo não se articulam, sob a coordenação federal do Ministério da Saúde, para que esses testes cheguem à população.

Enquanto isso, como sói acontecer em países desorganizados, o Brasil responde à pandemia sem planejamento e controle, esperando que a tal imunidade de rebanho seja atingida e o vírus não tenha mais por onde circular. É uma política. O problema é o preço em vidas que ela cobra.

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