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A Fiesp expôs sua alma em reunião com Bolsonaro

Postado às 05h56 | 25 Mar 2020

Elio Gaspari

Na sexta-feira (20) da semana passada Jair Bolsonaro e três ministros participaram de um evento organizado pelo presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Numa videoconferência de uma hora, falaram 14 grandes empresários ligados à guilda. É um penoso documento histórico e está na rede.

Dez deles gastaram seu tempo com platitudes ou simples bajulações. Alguns disseram o óbvio: há o problema dos transportes, o mercado se contraiu e as empresas precisam de crédito.

Ofertas concretas e bem-vindas vieram de Jean Jereissati (Ambev) e de David Feffer (Suzano). Um contou que sua fábrica do Rio foi reciclada para produzir álcool que será doado à rede pública. O outro revelou que doará 500 mil máscaras.

A reunião produziu três “Momentos Fiesp”. O primeiro aconteceu depois que Eugênio de Zagottis, falando pelas farmácias, pediu o razoável adiamento da remarcação de preços prevista para a semana que vem: “O Brasil não precisa dessa manchete”.

Deu-se uma saia justa. Carlos Sanchez, representante da indústria farmacêutica, retomou a palavra, dizendo que os aumentos para remédios relacionados com a Covid-19 poderiam ser adiados. Quanto aos demais só haveria dois caminhos, um dólar de R$ 4 para o seu setor ou uma redução de 5% na margem das farmácias, que deveria ser repassado à sua indústria. A proposta de Zagottis ficou no ar.

Num outro episódio, Rubens Ometto, o maior produtor de álcool neutro do país, trouxe uma agenda filosófica: “A gente precisa tomar muito cuidado com as promessas que têm sido feitas para a população, porque às vezes você pode quebrar uma cadeia dos serviços e dos negócios que são feitos, como a promessa de itens grátis, como água, como luz, como esse negócio todo. Vai se criando uma ideia de que não há necessidade de pagar”.

Tudo bem, mas tinha-se acabado de tratar, sem sucesso, da conveniência de se adiar um aumento de preços de remédios.

No terceiro episódio, Edson Queiroz Neto pediu que aviões da FAB fossem à China para buscar suas encomendas relacionadas com a epidemia. Tomou um contravapor do ministro da Casa Civil, Braga Netto, lembrando-lhe que a Vale fretou um avião para buscar o material que doará.

A Vale, que não estava na reunião, fechou na China a compra de 5 milhões de testes rápidos. A primeira remessa, de 1 milhão, deve chegar na próxima sexta-feira (27). Os 4 milhões restantes chegarão em meados de abril. Essa doação equivale à metade das unidades que o Ministério da Saúde estima necessitar. Tudo sem necessidade de pagar.

A Fiesp mostrou um rosto cenográfico e alguns grandes empresários mostraram-se pedestres e pedinchões. (Paulo Skaf, presidente da Fiesp, prometeu 5.000 leitos. Enquanto ele falava, o ministro Luiz Henrique Mandetta tamborilava com os dedos na mesa.)

No dia seguinte a essa cena espetaculosa e irrelevante, uma franquia da Domino’s, sem fanfarra, mandou umas 30 pizzas aos profissionais da saúde de um hospital público do centro do Rio, com o seguinte bilhete: “Com um toque de amor, em agradecimento a todos vocês que estão linha de frente, se sacrificando por nós”.

De vez em quando, surge a ideia de que o ato de pagar (e de receber) não é tudo na vida de um povo, de uma empresa ou até de uma pessoa.

 

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