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A ameaça do estado de sítio

Postado às 06h10 | 12 Mar 2021

Globo

Ouvir a expressão estado de sítio da boca de Jair Bolsonaro causa calafrios. Como o presidente parece gostar de causar repulsa nos brasileiros, ele vira e mexe vem com essa de estado de sítio, sempre lembrando, como fez nesta terça-feira, que é sua prerrogativa decretá-lo.

Bolsonaro não fala disso à toa. A nova menção despropositada à medida extrema veio totalmente fora de contexto, como sempre: o presidente a comparou às medidas restritivas adotadas pelos governadores para conter o avanço da mortandade desenfreada da pandemia.

O presidente pode ter sido expulso cedo do Exército e não ser muito versado na Constituição, mas ele sabe muito bem que essas medidas não guardam qualquer semelhança com estado de sítio.

Ao lançar a expressão ao léu e ainda mencionar o artigo 141 da Constituição, que seus seguidores adoram evocar para pregar intervenção militar, distorcendo seu sentido, o presidente lança uma isca para esses fanáticos na linha “quem manda sou eu”, “eu que tenho a caneta Bic”, o tipo de bravata que adora lançar quando está acuado.

E motivos não faltam para que o capitão esteja acuado: ele está a cada dia ficando mais encurralado pela sua própria obra criminosa no curso de um ano de pandemia.

A redução diária do chute travestido de previsão de vacinas feito pelo general Pazuello quanto à quantidade de doses de vacinas que estará disponível neste mês de março de carnificina nacional, a insistência do STF em cobrar, de forma cada vez mais dura, que o governo federal aja na compra desses imunizantes e no suporte aos Estados para enfrentar o colapso iminente do sistema de saúde e a pressão pela CPI da covid-19, que envolve diversos partidos, movimentos de direita antes condescendentes com o bolsonarismo, como o Vem pra Rua, e que já desaguou no mesmo Supremo fazem o sinal de alerta de Bolsonaro pulsar.

Mas o que o atormenta de verdade, e isso está cada vez mais claro, é a volta de Lula ao cenário eleitoral. E aqui é que reside a gravidade da cartada de falar em estado de sítio neste momento.

Num governo coalhado de militares, e diante da indisposição da cúpula sobretudo do Exército com Lula e o PT, expressada em diversas ocasiões, como no tuíte do general Villas Boas advertindo o STF em 2018, esse tipo de exortação irresponsável pode resultar em uma movimentação da caserna em reação à anulação das condenações do petista.

Na mesma fala, Bolsonaro ainda incitou seus malucos, da forma como sempre faz, falando como que a título de preocupação, a promoverem quebra-quebra e saques. O bolsonarismo sempre funciona assim: o “mito" lança a ideia e sempre há malucos para executarem.

Foi assim nos atos antidemocráticos e também quando ele numa live mandou as pessoas invadirem hospitais de campanha para filmar. Parecia da boca para fora, mas sempre há pessoas dispostas a difundir e executar esse tipo de comando golpista que parte do presidente da República.

Os tais quebra-quebras e saques seriam o pretexto que ele quer para falar de estado de sítio de forma menos “teórica”? Ao falar em greve, o presidente também dá uma senha aos caminhoneiros, que têm sido adulados por ele justamente pelo poder que têm de tornar a população refém de seus motins.

Bolsonaro tem de ser levado a sério em seus arroubos, porque sua tendência autoritária não é apenas retórica, ela se manifesta em atos e decisões de governo e os exemplos são inúmeros.

Com espaços importantes do Congresso dominados por fanáticos bolsonaristas, como as comissões, esse tipo de menção a desordem e estado de sítio têm de receber reprimenda imediata, inequívoca e dura por parte dos ministros do STF, da OAB e de todos os que têm compromisso com a preservação da democracia.

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