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Trumpismo pode vencer novamente em 2020

Postado às 09h14 | 12 Ago 2019

João Paulo Jales dos Santos. Estudante do curso de Ciências Sociais da UERN. 

As primárias democrata marcam um recorde histórico de candidaturas, já são mais de 20 nomes que estão concorrendo a indicação do partido para 2020. Além do recorde, chama a atenção, como também ocorreu com o campo lotado de candidatos nas primárias republicana em 2016, a densidade eleitoral de muitos postulantes. 

Se as primárias democrata têm recorde de candidaturas para primárias partidárias, os nomes de peso que concorrem a indicação do partido, numa consideração intrapartidária, conseguem ser mais forte do que o dos candidatos de 2016 que concorreriam as primárias republicana.

Joe Biden, ex-vice presidente, os senadores Michael Bennet, Cory Booker, Kirsten Gillibrand, Kamala Harris, Amy Klobuchar, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, juntamente com outros nomes de relevância dentro do partido, os de  Beto O’rourke, Jay Inslee, John Hickenlooper, Bill de Blasio, Julián Castro, Pete Buttigieg e Steve Bullock, formam um pelotão de relevo dentro de todas as alas intrapartidárias do partido, a eles ainda somam-se outros nomes possuidores de razoável grau de relevância política nas fileiras democrata.

A presidência de Donald Trump ascendeu a luta política nas primárias democrata, não faltam opções, e opções de densidade político-eleitoral massificada, para que os eleitores façam escolhas. Até a primária republicana de 2016, era incomum que uma primária ocorresse com muitas candidaturas, e com uma variedade de candidatos de alto gabarito. Historicamente, sempre houve uma candidatura de consenso da elite, que quando sofria alguma ameaça intrapartidária, via o oponente amealhar não mais do que 25% dos votos.

2Os republicanos enxergaram nas primárias para escolha de seu candidato em 2016, um momento histórico para fazer contraponto as políticas governamentais de Barack Obama. Para o GOP (partido republicano), Obama deu passos para à esquerda muito além do tolerado. No caso dos democratas para 2020, o sentimento é o mesmo, o que muda é a perspectiva. Para os Dems (democratas), Trump tem conduzido o país para além do permitido à direita.

Mas se pegarmos o histórico presidencial do GOP na condução da presidência, da década de 70 para cá, iremos notar que Nixon, Reagan e George W. Bush, conduziram os Estados Unidos a uma forte política de ‘direitização’.

Então o que muda entre Trump e estes ex-presidentes republicanos? A fomentação social exacerbada ao ódio racial, cultural, fazendo ressurgir com maior notoriedade o supremacismo branco. Tais elementos permanecem vivos e latentes nas entranhas do tecido social americano. Nixon e Bush fomentaram o rancor contra minorias étnicas e sociais, no entanto, pararam quando não era possível dar mais passos adiante. A delimitação de recuar no fomento ao ódio social é o que distingue Nixon e Bush de Trump.

Se com Ronald Reagan os valores conservadores caminhavam numa direção que já se fazia enxergar um acirramento social e político, enquanto o presidente mantinha a postura ritualística institucional do cargo de presidente, com Trump a liturgia do cargo não se faz necessária, e o acirramento étnico e social ganha contornos de elevado grau de agressividade verbal, física e psicológica.

Pesquisas entre minorias sociais e as percepções de quem convive de perto com esses grupos, mostram que a sensação de insegurança e temor social tiveram substancial aumento de preocupação, principalmente entre latinos e muçulmanos, grupos que Trump mais incita com sua virulência verbal, aqueles muito mais do que estes.

A sociedade americana é uma fundamentada em valores mais à direita que à esquerda, mas sempre houve um considerável grau de moderação, dadas as devidas circunstancias de tempos históricos, que fez com que mesmo em momentos tensos da vida político-social do país, políticas bastante conservadoras não tivessem maiores avanços. A esquerda estadunidense nunca chegou a ser socialista, comunista, longe disso, sempre defendeu e foi fiadora de políticas econômicas empreendedoras do liberalismo econômico, detendo a propriedade privada de pequenas, médias e grandes empresas.

É comum tanto entre republicanos quanto democratas, que candidatos antes de chegarem à vida pública de mandatos eletivos, tenham tido uma carreira no setor privado. Com Franklin Roosevelt e Lyndon Johnson, aquele muito mais do que este, a esquerda estadunidense implementou políticas sociais e assistenciais que deram ao partido democrata um cariz razoavelmente moderado de social-democracia, temperada ao ânimo conservador e libertário que marcam a história do país.

Quando Trump foi bastante além do permitido em suas políticas direitistas, o eleitorado resolveu refrear suas investidas, conferindo uma grande derrota ao presidente na Câmara dos Deputados. Em cadeiras senatoriais, o GOP conseguiu manter sua maioria no Senado, mas na votação popular, o partido amargou uma franca derrota, tendo 20% a menos de votos em relação aos Dems, uma derrota eleitoral de envergadura histórica.

Do mesmo modo quem em 2010 o eleitorado resolveu refrear o que considerou uma maior ‘esquerdização’ nas investidas políticas de Obama, fazendo com que o presidente perdesse sua maioria na Câmara dos Deputados, fez o mesmo agora com as investidas de ‘direitização’ de Donald Trump. Sempre que um grupo avança politicamente em uma direção que extrapola a perspectiva política, social e econômica da opinião pública média, o eleitorado resolve aplicar uma derrota ao partido no governo.

O grupo eleitoral que fez com que Donald perdesse sua maioria na Câmara foi um eleitorado que há pouco tempo era confiavelmente republicano, os votantes dos subúrbios. Aqui, é preciso fazer uma diferença crucial, se no Brasil subúrbio é sinônimo de classe média baixa, nos Estados Unidos, subúrbios são composições demográficas que estão em torno de grandes cidades e/ou grandes centros financeiros, habitados, geralmente, por populações de renda elevada.

Os democratas tiraram exatamente desse grupo demográfico sua maioria na Câmara, fato até pouco tempo impensável, quando se leva em conta que no comando de vários governos estaduais, a partir do ano de 2010, os legisladores republicanos desenharam distritos federais enormemente favoráveis ao partido.

A vitória democrata não invalida o redesenho distrital republicano, mas mostra que a aversão dos subúrbios a Trump foi tão desprezível, que esse eleitorado, economicamente inclinado à direita e socialmente inclinado à esquerda, resolveu dar um voto de confiança aos democratas. As mulheres suburbanas, possuidoras de elevado grau de instrução formativa educacional, foram preponderantes para que o GOP visse sua maioria na Câmara ser perdida diante de um público que há décadas sempre lhe foi cativo. 

É precipitado pensar que os eleitores suburbanos hoje são fieis eleitores democratas, há muitos subúrbios que os democratas veem dificuldades de ter ganhos político, além do mais, basta um candidato republicano moderadamente conservador e que em sua campanha tenha foco nas questões econômicas e evite tratar de temas que socialmente são tidos como polêmicos, para que os suburbanos que penderam para o lado democrata em 2018 voltem a marcar no bilhete uma candidatura republicana.

Afinal de contas, na hora de votar, o bolso e o ‘bucho’ político do suburbano se verá mais preocupado com temas como economia, impostos e cuidados em saúde, do que defesa e ampliação dos casos ao aborto, ações afirmativas e proteção de direitos civis para pessoas LGBTQs.

Mas é marcante que os republicanos vejam que os subúrbios hoje estejam animados e consideravelmente predispostos a votarem em democratas. Se ao longo de todo o país os subúrbios vão ficando mais moderados e diversificados racialmente, essa é uma realidade ainda mais forte em estados como Arizona, Texas, Geórgia e Carolina do Norte, estados razoavelmente conservadores, que juntos têm 80 votos no colégio eleitoral e que no ano passado, em nível estadual e federal, fizeram com que os Dems tivessem um animador ganhos de assentos legislativos.

Um partido republicano com seu establishment apoiando Trump e fazendo vista grossa em relação a políticos e políticas demasiadamente conservadoras, afasta o eleitorado moderado dos subúrbios, que juntos com a população das grandes cidades, veem suas populações aumentarem em maiores números, enquanto as médias e pequenas cidades e as zonas rurais americana, vão se tornando cada vez menos populosas.

Os democratas já dominam os grandes centros urbanos, aliado ao voto dos subúrbios que vão ficando menos vermelhos e mais azuis, a tendência é que no voto popular os Dems ampliem ainda mais suas margens de vitória sobre os republicanos. É basicamente um consenso estatístico, que dado a composição urbana, racial e demográfica, os democratas, mesmo que saiam perdedores no colégio eleitoral, no voto popular, nas próximas décadas, sejam dominantes.

Favorito nestas primárias, Joe Biden era o candidato certo para 2016, mas o vice-presidente à época teve receio de peitar a candidatura de Hillary. Havia um sentimento dentro do partido que depois de perder a indicação presidencial para Obama em 2008, 2016 era uma indicação exclusivamente reservada a Clinton. Mesmo com pesquisas de consumo interno mostrando que Joe tinha incialmente o apoio de cerca de 20% dos eleitores do partido, e tendo chances de ampliar sua base eleitoral e fazer frente a Hillary na indicação presidencial, o vice-presidente resolveu consentir com o sentimento do establishment de seu partido, e fazer de Hillary a candidata consensual nas altas fileiras democrata.

Sabendo o que se sabe hoje, é fácil dizer que Biden possivelmente teria derrotado Donald Trump, e com um desempenho no colégio eleitoral um pouco parecido com o que Obama teve em 2012, tendo perspectiva de vitórias até mesmo em estados que Obama perdeu para Mitt Romney.

Donna Brazile, presidente do partido democrata à época da indicação de Hillary em 2016, relatou num livro, lançado posteriormente de sua saída do cargo de presidente e da derrota de Hillary, que pensou seriamente em angariar apoio dentro do partido e substituir a candidatura de Hillary por Biden, tendo o vice-presidente Cory Booker como companheiro de chapa. Brazile relata que os bastidores da campanha de Clinton e números de pesquisas e tendência que tinha as mãos, a faziam vacilar sobre a real possibilidade de Hillary derrotar Trump, uma intuição bastante consensual no partido e entre os principais analistas e estrategistas políticos liberais e conservadores.

Brazile, por motivos amplos e complexos de fácil compreensão, decidiu não ir adiante de sua proposta de substituir Hillary por Joe Biden.

Agora sendo o candidato favorito, nesse estágio da campanha para a indicação democrata, Biden, um nome com vasta experiencia política e um homem intrinsicamente ligado aos interesses da elite de seu partido, oferece uma postura moderada e institucional em relação a Trump. O ex-vice presidente nos dois debates promovidos, mostrou um desempenho mediano. Caso de fato ganhe a indicação de seu partido, Biden se verá diante de uma situação com a parecida de Hillary Clinton.

Nesta etapa das primarias democrata em 2015, Hillary era ampla favorita não só a vencer a indicação do partido como a ser eleita presidente. Muitos não imaginavam que Sanders fosse angariar mais de 40% dos votos, nem imaginavam que Hillary teria em seu caminho um certo The Donald, um magnata fanfarrão e boquirroto, considerado pelo sistema institucional um sujeito desprezível.

Pesquisas mostram que Biden é amplo favorito sob Trump, podendo aplicar uma amarga derrota ao presidente até mesmo em estados tradicionalmente conservadores. Se o cenário de agora prevalecer em novembro do próximo ano, Biden aplicará a Trump uma ampla vitória no colégio eleitoral. O problema aqui é simplório, mas de difícil percepção. Quando os ânimos cegam, a realidade se torna menos nítida, o que ocorreu com muitos que tinham como certa a vitória de Hillary. Donald Trump é um presidente em exercício cambaleante, mas que de maneira alguma deve ser encarado como facilmente derrotável.

O presidente tem uma base eleitoral sólida, mesmo que represente uma minoria em termos numéricos e que não lhe dê uma maioria na votação popular, a base de Donald é inflamada em elevado grau e com chances consideráveis de repetir o feito de 2016 em 2020, ganhar a eleição onde de fato se vence na América dos constitucionalistas do século XVIII, no colégio eleitoral.

O Trumpismo é um movimento político-social prejudicial e massificado, e que pode dar a sua figura idólatra e carismática mais quatro anos, mas não para fazer a “América grande de novo”, isso os Estados Unidos continuam a ser, mesmo que essa realidade para o eleitorado trumpista em seus delírios de pós-verdade não seja uma concretude. A intenção do Trumpismo é radicalizar numa perspectiva reacionária, mesmo que no voto popular, saia mais uma vez derrotado.

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