Postado às 05h14 | 16 Jun 2018
Kim deu o "recado" a Trump: tirem primeiro os Estados Unidos da península coreana (Coreia do Sul) e depois conversamos...
O reality-TVshow geopolítico de Trump-Kim – para alguns, evento surreal – recebeu atenção sem igual nos anais da diplomacia internacional.
Será difícil superar a cena em que o presidente dos EUA abre um iPad e mostra a Kim Jong-un um trailer estiloso à moda dos filmes de ação classe “B” dos anos 1980s – completado com a efígie de Sylvester Stallone – em que os dois líderes são apresentados como heróis destinados a salvar os 7 bilhões de habitantes do planeta.
Longe da TV, o ex-“Homem Foguete”, hoje já tratado respeitosamente por Trump como “Chairman Kim”, marcou formidável gol de placa, ao fazer varrer completamente a temida sigla CVID – de “completa, verificável e irreversível desnuclearização” – do texto final da declaração conjunta.
A declaração conjunta de Singapura consagra exatamente o que a parceria estratégica Rússia-China – formalizada na recente reunião de cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) – já vinha sugerindo desde o início: congelamento recíproco.
A RPDC (República Popular Democrática da Coreia) abstém-se de quaisquer novos testes nucleares e de mísseis, e EUA e Coreia do Sul param com seus “jogos de guerras” (como disse Trump, “war games“).
A declaração conjunta de Singapura não é acordo: é declaração.
O item absolutamente chave é o n.3: “Reafirmando a Declaração de Pahmunjom de 27/4/2018, a RPDC compromete-se a trabalhar para a completa desnuclearização da Península Coreana.”
A Declaração de Panmunjom destaca que: “A Coreia do Sul e a Coreia do Norte confirmaram o objetivo comum de alcançar, através da desnuclearização completa, uma península coreana livre de armas nucleares.
A Coreia do Sul e a Coreia do Norte compartilham a opinião de que as medidas iniciadas pela Coreia do Norte são muito importantes e cruciais para a desnuclearização da península coreana e concordaram em buscar ativamente o apoio e a cooperação da comunidade internacional para alcançar a desnuclearização da península coreana.”
EM RESUMO: esse é o compromisso da Coreia do Norte com Trump.
Por trás de tudo estão Russia e China, monitorando Kim Jong-un, que faz o jogo de ambos.
Trump acossado pela antipatia internacional, decorrente dos seus gestos tresloucados, "topa toda parada" para agradar o líder da Coréia do Norte.
Trump não pode mais desgastar-se.
E Kim tira proveito disso, atuando como preposto da China e da Russia.
O objetivo verdadeiro do jogo que Kim submete Trump é "barganhar" para facilitar a integração econômica entre a Rússia e as duas Coreias, incluindo a conexão crucialmente importante entre uma futura ferrovia Trans-coreana e a Trans-siberiana.
Feito isso torna-se fácil a integração da Eurásia, ou seja, maior comércio entre Coreia do Norte e Nordeste da China, mais diretamente com as províncias de Liaoning, Jilin e Heilongjiang; e total conexão física das duas Coreias com as regiões centrais da Eurásia.
Se Washington não retirar seus militares da Coreia do Sul, não haverá desnuclearização.
Na essência, foi esse o acordo discutido entre Kim e Xi Jinping (Coreia do Norte e China) nos dois encontros crucialmente importantes que tiveram antes da reunião de Singapura.
Tirem os EUA da península, e podem contar com ela.
É essa a expressão-chave embutida na declaração conjunta de Singapura, para a qual deve convergir o foco de interesses da Rússia, China e Coréia do Norte.