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Rua volta a assombrar mundo político, e Bolsonaro dobra aposta

Postado às 04h27 | 16 Mai 2019

Igor Gielow

A rua voltou a assombrar o mundo político brasileiro, que até hoje não conseguiu efetuar a simbolização do movimento gigantesco de 2013.

Desde então, ela foi central para a queda de Dilma Rousseff (PT) em 2016. No vácuo do sistema político, arrasado pela Lava Jato, ela ajudou a dar materialidade ao fenômeno eleitoral Jair Bolsonaro (PSL).

Políticos de diversas matizes se entreolharam ao ver imagens na televisão e telas de celulares nesta quarta (15). A rua que ajudou a parir o bolsonarismo se movimentou de novo, com o sinal trocado. Ironia histórica? Seja como for, vale o senso comum em Brasília para as Comissões Parlamentares de Inquérito: todo mundo sabe como começa, ninguém sabe como acaba.

Bolsonaro fez o que se esperava: apostou na radicalização. O presidente parece ignorar as imagens e o sentido do que está acontecendo ao chamar os manifestantes de imbecis. Se nas redes sociais que lhe são favoráveis, reduto ao qual sua popularidade parece ter se retraído, na vida real algo aconteceu com o espraiamento dos protestos pelo país.

Isso porque não parecem ser apenas os tradicionais aderentes de sindicatos e partidos de esquerda que se manifestaram. É notável como suas pautas preexistentes, como o combate a reformas como a trabalhista no governo Temer e a previdenciária, agora, falharam miseravelmente em galvanizar os círculos fora do mundo dos “mortadelas”.

O mesmo pode ser dito do movimento Lula Livre, que pede a soltura do ex-presidente petista condenado por corrupção: zero adesão fora do círculo combalido da esquerda.

Nesta quarta, são incontáveis os registros de estudantes de classe média, dos quais muitos pais certamente votaram em Bolsonaro, nas ruas. Será a educação o novo R$ 0,20 de aumento da tarifa de ônibus que marcou o estopim dos protestos de 2013?

Se assim for, Bolsonaro pode estar fazendo o que Dilma fez quando os grupos à direita egressos de 2013 foram às ruas pedir sua cabeça. Demonização de adversários, naquele caso “viúvas da ditadura”, “defensores da intervenção militar” e “fascistas”, sempre foi uma especialidade do PT.

Com a articulação no Congresso inexistente, derrota após derrota, o governo parece apoiar-se na cartilha da chamada ala ideológica do bolsonarismo. A narrativa da guerra santa contra o marxismo tenderá a dominar o canal usual do grupamento, as redes sociais.

Em vez de explicar o buraco nas contas públicas que força contingenciamentos todos os anos, e neste de forma aguda, Bolsonaro preferiu usar o bloqueio como arma ideológica para espezinhar a conhecida esquerdização do meio acadêmico. Raspou o crime de responsabilidade, daí os recuos atabalhoados até o tropeço em Dallas.

Só há uma coisa que assusta parlamentar no Brasil: rua. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deu uma senha poderosa ao relativizar o teto de gastos, ainda mais falando a investidores nos EUA. O Congresso tenderá a buscar a ocupação de espaço que o Planalto parece ignorar, especialmente se matar logo a fatura de alguma reforma da Previdência.

Bolsonaro, apoiado em sua prole e ministros ditos ideológicos, parece acreditar que haverá um movimento contrário a emular a onda que o levou ao poder. Lula também achava isso quando a rua pediu a cabeça de sua protegida, embora seja necessário estabelecer a diferença de momentos econômicos: Bolsonaro parece rumar para um naufrágio, Dilma já presidia sobre um.

Agora é esperar o que vai acontecer com a onda que bateu nas costas do bolsonarismo. Se ela de fato for ampliada para além da agenda da esquerda, rejeitada em duas eleições seguidas (2016 e 2018), o presidente terá de reavaliar o tom beligerante de seu discurso se não quiser ver o Congresso ainda mais às suas costas.

Por óbvio, Bolsonaro ainda tem capital político, afinal tem menos de cinco meses de governo. Só que o raciocínio vale inversamente: ele só tem esse período no cargo e já carrega o desgaste de anos no poder.

 

 

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