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Padre João Medeiros profere belíssima homilia na Missa de Sétimo Dia de Ney Lopes Júnior

Postado às 05h49 | 07 Dez 2021

Padre João Medeiros membro da Academia Norte-Riograndense de Letras

A íntegra da homília do padre João Medeiros proferida ontem, 6, na missa de sétimo dia do ex-vereador Ney Lopes de Souza Jr, oficiada pelo Padre Charles,  na Igreja de Santa Teresinha, em Natal.

Reverendíssimo Senhor Padre Charles Dickson Macena, pároco desta Comunidade, no Tirol,

Excelentíssimas autoridades dos poderes constituídos,

Digníssimas autoridades acadêmicas e culturais,

Prezados irmãos participantes desta Eucaristia, de modo presencial ou virtualmente,

Caríssimos Ney, Abigail e demais familiares

Aqueles de gerações passadas recordam as tradicionais procissões do encontro das imagens do Bom Jesus das Dores e da Virgem Dolorosa, pelas ruas da Ribeira e Cidade Alta, que ocorriam na sexta-feira anterior à Semana da Paixão. Ali, destacava-se o saudoso Cônego Nivaldo Monte em sua linguagem poética, teológica e mística, citando o Livro das Lamentações: “Ó vós todos que passais pelos caminhos, escutai e olhai, se existe dor igual à minha dor.” (Lm 1, 12). A frase profética do Antigo Testamento preconiza o sofrimento e a dor de Maria Santíssima ao perder seu Filho Unigênito Jesus Cristo. As mesmas palavras poderiam ser hoje aplicadas a Ney e Abigail, vivendo o martírio silencioso da partida de seu filho amado para a Casa do Pai. É incomparável a dor da separação duradoura de um filho. Ela vem na contramão da lógica, da ordem da vida e do tempo. Abigail e Ney revivem hoje sentimentos de perda que recordam a Virgem Maria, ao pé da Cruz.

A tristeza, desalento, incompreensão e até mesmo revolta, afloram quando da partida de um ente querido. Por que Deus levou nosso filho, cheio de planos, com um futuro promissor? Por que tirou de nosso convívio nosso irmão, tio, familiar ou amigo, cheio de bondade, doçura e retidão? Alguns chegam a me dizer: “Padre, não entendo esse Deus e essa religião”. A todos respondo com as palavras do profeta Isaias, ao pôr nos lábios de Javé estas afirmações: “Os meus caminhos não os vossos caminhos, meus pensamentos não são os vossos, meus desígnios não são os vossos desígnios.” (Is 55, 8-10).  E ouso acrescentar: O tempo de Deus não é o tempo dos homens. A Divindade dos cristãos seria pequena, até insignificante, se pudesse ser controlada pelas suas criaturas. Irmãos, Cristo nunca nos deixa sozinhos, relegados ao desespero. “Eu estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20), assegurou Jesus a seus discípulos, na iminência de sua volta ao Céu.

Celebramos hoje a ressurreição de Ney Júnior. Nas mãos de Deus não há perigos e cabe-nos alimentar a chama da esperança. Segundo o apóstolo Paulo, não há proporção entre os sofrimentos deste mundo e a glória futura. O Eterno reserva para cada um de nós o inimaginável, que supera nossas dificuldades e dores. “Os olhos jamais contemplaram. Ninguém sabe explicar o que Deus tem preparado para aqueles que em vida o amar”, diz o canto sacro de autoria da Irmã Míriam Kolling.

 Somos viajantes, tangedores da vida em busca do Infinito. Na caminhada, Deus amaina nossas saudades e renova nossas energias, saciando nossa sede nos mananciais da fé e da esperança.

Santo Agostinho ensinava aos fiéis de Hipona que “a morte nos faz semelhantes a Deus”. Este é abscôndito e silente, portanto, mistério. A morte é a porta que nos leva a esse mistério inefável. Dele um dia saímos e para Ele voltaremos, pois somos peregrinos do Eterno, romeiros do Infinito.

Deus Pai vela por nós e nos recebe com carinho, no final de nossa caminhada. Diariamente, somos alimentados com a sua graça, manifestação de sua amorosa presença em nossa existência. Tudo é fruto do amor. E este é imorredouro, gera vida e diferentes formas de viver. Deste modo, Ney Júnior não desapareceu, encontrou em Deus outra maneira de ser. O autor do Cântico dos Cânticos ensina-nos que “Só morre quem não ama ou não é amado, pois o amor é mais forte do que a própria morte.” (Ct 8, 15). Ney Júnior amava e era muito amado.

O medo da morte impede-nos a descoberta da beleza da vida eterna. Tentamos superar o sentimento da separação física. Entretanto, ignoramos o outro lado, no qual o Onipotente revela a grandeza da realidade espiritual, que ultrapassa os limites terrenos. Sentimos dificuldade em acreditar que “a vida não é tirada, mas transformada.” Os teólogos cristãos dos primeiros séculos referem-se à morte como a quebra do casulo para que possamos dar o voo definitivo. Às vezes, queremos ficar presos a esse invólucro corporal e perdemos as maravilhas da liberdade de quem parte para Deus, que nos concede “a vida em plenitude” (Jo 10, 10) pelo seu Filho, encarnação do perdão e amor do Pai.

Ney Júnior partiu, mas não se aniquilou. Continua vivo em nossos corações por ele tocados, em cada elemento da verdade por ele transmitido, em cada parcela da justiça por ele defendida, em cada vitória por ele alcançada. Vive nas ideias que vicejam nas inteligências por ele encontradas. Não, ele não se afastou! Está presente, porque a sua partida cristalizou em nossa alma a presença de seus pensamentos na intensidade e imensidão de uma lembrança amiga!

Desejo expressar aqui minha sincera amizade, admiração e solidariedade a Ney e sua família, neste momento tão difícil. Há décadas, desfruto do privilégio da amizade de Ney Lopes de Souza. Amigo, colega de adolescência e juventude. Brincamos juntos, na pequena Jucurutu de outrora. Lá, ele passava parte de suas férias. Jogamos juntos gamão, dama, futebol de botão e xadrez. Ele mostrava-se sempre mais sábio e inteligente do que eu, um jovem interiorano, tímido e amatutado. Nossa amizade amadureceu, quando ele assessorava a Arquidiocese de Natal, no episcopado de Dom Eugênio de Araújo Sales. Eu era um jovem e inexperiente sacerdote, sendo tão somente – com ainda hoje – um simples menino de recado de Cristo. Ney sempre me distinguiu com seu carinho e fraternidade. Suas palavras entusiasmavam-me, assim como seus artigos nos jornais, sobretudo na “A Ordem”. Sou um leitor assíduo de suas crônicas e ouvinte de suas análises sociopolíticas.

Quando estudante do Seminário em Natal, lecionei cultura religiosa no Ginásio São Luís. Por vezes, dirigia-me à residência de Josias e Neusa, pais de Ney, para visitá-los. Era recebido com alegria e fidalguia. Como manifestação dos laços com a família, recebi deles, de presente, a túnica litúrgica com a qual fui ordenado sacerdote e celebrei a minha primeira missa.

Convivi pouco com Ney Júnior. Minha incurável timidez é um entrave para me aproximar das pessoas. No entanto, percebi em seus atos e palavras a magnitude de sua alma. Sua passagem pelo Procon, Câmara e Prefeitura Municipal de Natal, em vários cargos ocupados e funções exercidas, deixou marcas de sua grandeza interior, de homem público e com vocação para servir. Ao defender os direitos dos mais humildes, entendeu as palavras do Evangelho: “Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos, é a mim que o fazeis”. (Mt 25, 35-45).

Foi feliz o imortal Vicente Serejo quando escreveu, em sua coluna diária: “O ex-vereador Ney Lopes Júnior perde a vida prematuramente, aos 47 anos, depois de exercer a vida política sem qualquer mancha ao longo de sua jovem trajetória. Raro nesses tempos.” Inúmeras foram as manifestações de amigos, políticos, jornalistas e pessoas simples. Justa, igualmente merecida foi a homenagem do Ministro João Roma, referindo-se à sua bondade, honradez, magnanimidade e espírito republicano. Ney Júnior fez questão de ser um dos propositores (antes do término de seu mandato) do título de cidadão natalense que a Câmara Municipal me outorgou. Honraria essa que ainda não pode entregue ainda por conta da pandemia.

No dia 30 de novembro, Ney Júnior, após árduas e ingentes batalhas, foi surpreendido pela “Indesejada das Gentes”, na expressão do poeta Manuel Bandeira, que “encontrou lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar!

Abigail, Ney, Karla, Ana, Elidiane e demais familiares, Ney Júnior não morreu, partiu para os braços de Deus. Santo Agostinho, um dos maiores teólogos da Igreja, escreveu o prefácio da missa de réquiem, no qual afirma: “Desfeita a nossa habitação terrena, nos é dada nos céus uma eterna morada.” É por demais conhecida a afirmação teológica: “O cristão não conhece a morte, mas sim a vida que começa com a morte.” Esta é apenas o umbral da porta de entrada na Vida em plenitude.

Meus irmãos, só é possível compreender o mistério da morte, sob a ótica e a dimensão da fé. Esta identifica tipos de presença que a corporeidade não alcança, descobre união e proximidade que o espaço sequer imagina. Ela é a marca do divino, atemporal, onipresente e espiritual. Ultrapassa os limites e as amarras, quebra os laços que nos prendem e liberta das prisões. A fé conduz-nos ao amor. “Só quem não ama, permanece na morte” (1Jo 3, 14), afirma São João. “Ninguém ama sem ter fé nem acredita sem amar”, proclamou o já citado bispo de Hipona.

Nesta missa, reverenciamos a memória de Ney Júnior, hoje fisicamente invisível. “O essencial é invisível aos olhos”, escreveu Exupéry. Deus, o Senhor da Vida e da História, é invisível aos nossos olhos corporais, mas tangível aos olhos de nossa fé. Assim aconteceu com Ney Júnior, que passou para o mundo de Deus e incorporou a invisibilidade material.

Agora, o vazio corpóreo e cronológico é preenchido pela força da graça cristã. A liturgia da missa é um convite a nos colocar numa atitude de escuta silenciosa daquele que nos precedeu marcado com o sinal da fé. Esta Eucaristia propõe-nos um encontro transcendente. “A morte é a aurora da eternidade!”

Que Deus, a Virgem Maria, os anjos e santos nos consolem. Celebremos esta missa com o sentimento de união e comunhão. Estaremos irmanados na mesa do mesmo banquete sagrado. Ney Júnior aqui está, latente e transcendental, na forma absoluta, divina e infinita de ser. Foram comoventes as palavras de despedida de seu pai, as quais encerram também seu artigo de ontem, na Tribuna do Norte: “Até um dia, meu filho, Ney Júnior”. Ensina-nos o apóstolo João, no Apocalipse: “haverá um dia em que Deus enxugará todas as lágrimas de nossos olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem pranto nem dor” (Ap 21, 4), pois estaremos nos braços de Deus. Que Nossa Senhora, consoladora dos aflitos, a terna e eterna compadecida, acalente a todos. Meu abraço e minhas orações. Santa Teresinha, rogai por todos nós. Assim seja!

Igreja de Santa Teresinha, aos 06 de dezembro de 2021.

Padre João Medeiros Filho

 

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