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"O entrincheiramento petista"

Postado às 05h39 | 09 Nov 2019

João Paulo Jales dos Santos. Estudante do curso de Ciências Sociais da UERN.   

Lula, enfim, foi solto. A mobilização petista surtiu efeito, que por si só não teria conseguido êxito se a Lava Jato não tivesse tão desgastada, com os establishments jurídico e político querendo parar o avanço da operação, entendendo que ela foi longe demais, principalmente depois das conversas reveladas pelo site The Intercept. A Lava Jato se apoiou no clamor popular, em um momento delicado na história recente do país, quando uma grave crise econômica junto com uma alastrada desconfiança com a classe política tradicional, ajudaram a impulsionar a operação, mesmo quando, para muitos especialistas, a operação não respeitava os devidos tramites legais do processo jurídico e do que estritamente diz a Constituição.  Agora que Lula está solto, começa uma nova etapa para a estratégia petista, que se resume numa única questão: qual narrativa assumir?

Uma resposta de pronto diria que a narrativa continua a mesma, vendendo Lula como um salvador da pátria, se ancorando no apelo popular do ex-presidente, apesar do desgaste político que Lula vem enfrentando, lembrando de seu governo, que mesmo tendo sido encerrado há 9 anos, ainda está fresco na mente dos brasileiros, devido as bonanças sociais e econômicas; o único item que não mais constaria na narrativa do lulismo seria o ‘Lula Livre’. No entanto, tal resposta imediata, que tem consigo uma lógica dentro do que o lulopetismo vem construindo até aqui como narrativa, apresenta problemas. E quais problemas? O primeiro, a esquerda se apegou tanto ao ‘Lula Livre’ que durante esse tempo ficou sem ter muito o que argumentar perante a sociedade nacional como um todo; o segundo, Lula ainda é uma figura polarizadora e é vendido como o único candidato viável a presidente pelo PT, freando um movimento de rotatória de outras candidaturas à presidência pela legenda; e o terceiro, a esquerda, mesmo sendo oposição a um governo vacilante e com índices de aprovações baixos, os mais baixos registrados para este momento de mandato desde o primeiro presidente eleito em eleição direta após a redemocratização, não tem uma estratégia política e eleitoral que possa, ela mesma a esquerda, se sentir confiante.

Até aqui, desde a queda de Dilma e a prisão de Lula, o petismo tinha como principal bandeira o ‘Lula Livre’, que para o partido faz sentido, porque precisava de um clamor político-popular para arregimentar um movimento pela soltura de seu principal líder, mas que acabou confinando o PT num nicho especifico da sociedade brasileira, aqueles identificados à esquerda do espectro político-ideológico, e os que mesmo não se identificando automaticamente com o petismo, nutriam uma enorme simpatia com Lula. E o Lula que há três anos ronda as manchetes nacional, não é o mesmo que terminou o mandato em 2010 com altos picos de aprovação, o que causa problemas para a narrativa lulopetista.

O PT resiste em não deixar com que outros nomes tomem a dianteira de liderança do partido, na mente lulopetismo, Lula tem que ser reafirmado a exaustão, porque para ocupar as primeiras fileiras na liderança da sigla, Lula por si só consegue aglutinar tudo e todos. É uma hiper-autossuficiência-lulista, que poderia ser bem assim chamada, que acaba por inviabilizar com que outros nomes do PT e da esquerda, possam assumir os altos escalões das diretrizes políticas no campo esquerdista. E tal postura de autossuficiência lulopetista tem irritado partidos de esquerda, até mesmo de um aliado histórico como o PCdoB, que começam a questionar e apontar os erros do petismo. O PSOL e o PSB, até aqui, não têm nomes fortes para lançarem candidatos e terem poder de barganha política, mas o PDT, com Ciro Gomes, e o PCdoB, com Flávio Dino, apresentam nomes consistentes que lá na frente podem acirrar os ânimos na esquerda, ao peitar o PT em sua postura de total protagonismo lulopetista.

O PT, até aqui, não tem um projeto consistente de país, aliás, característica comum em todos os grandes e médios partidos brasileiro. Ao passo que o PT precisa reagrupar sua coalização eleitoral, que ao longo dos anos foi perdendo eleitores, principalmente, os da classe média e os das grandes cidades, restringindo o eleitorado do partido aos interiores do país, principalmente do Nordeste e de Minas Gerais. A força político-eleitoral do PT, em estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais, só para citar dois grandes colégios eleitorais que em 2010 e 2014 deram vitórias ao PT, vinha de uma combinação de votos do interior, com os dos centros urbanos populosos e médios.

Na classe média, o PT ficou restrito a um campo da classe média intelectualizada, que historicamente se vincula a esquerda, uma fatia que talvez represente cerca de um terço dos que pertencem a classe média brasileira. Nas classes populares, em estados como Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília, centros em que as grandes periferias contavam com uma relativa identificação com o partido, em 2018, as classes populares e trabalhadoras se viram identificadas com o bolsonarismo. A isso, soma-se a debilidade petista nas zonas metropolitanas, locais urbanos densos e de maiores complexidades sociais e culturais, que tendiam ser os locais que o partido poderia contar com margens consideráveis de votos, e que nos últimos cinco anos, desde a reeleição de Dilma, deram uma enorme guinada à direita, deixando as bases social e política construídas historicamente pelo PT desde a década de 80, em difícil organicidade de mobilização sócio-política. Os desafios para uma reorganização do PT e de suas bases eleitorais, que são os motores que garantem vitórias eleitorais, são enormes, mas se a agremiação se confinar tão somente na figura de Lula, esquecendo da sociedade nacional como um todo, ficará numa posição política delicada. Não adianta o petismo apontar gratuitamente o dedo para o bolsonarismo, sem perceber que Bolsonaro foi eleito com os votos de eleitores da coalização que desde 2002 vinha dando vitórias ao lulopetismo.

Existe um vácuo de liderança política na sociedade, por mais que muitos brasileiros ainda tenham ojeriza com a política tradicional, num momento em que a apresentação de projetos sociais e econômicas têm um grande campo de penetração na persistente crise social, de emprego e renda que assola o país. E em políticas sociais e econômicas o PT tem o que mostrar. Com os governos de Lula e de Dilma, mesmo o da ex-presidente tendo enfrentado uma grave crise, o partido tem vitrine para apresentar ao eleitorado. Tem o PT ainda que cuidar da falta de tato da esquerda com a utilização das tecnologias da informação, campo fértil para o crescimento da direita não-estabelecida.

De certo, é mais fácil para a direita usar das tecnologias da informação e da comunicação, porque  a linguagem da direita é preconceituosa, dicotômica e de mais fácil entendimento, pois mexe com os sentimentos e emocional, apelando para  conservadorismo; enquanto que para a esquerda, intimamente associada ao multiculturalismo, os usuários das tecnologias digitais, para se verem identificados com o ideário esquerdista, tem que se verem diante de uma linguagem abstrata e de difícil entendimento a priori. A esquerda optou por desde a década de 90, ser mais moralmente sensível do que a direita, afinal, ao defender o feminismo, direitos civis para LGBTQs e desenvolver lutas sistêmicas antirracistas, não há como não chamar para si maior grau de moral ética e cívica, entendível porque a esquerda tem dificuldade de adentrar e de enfrentar os solavancos do conservadorismo. Um melhor manuseio de uma estratégia de comunicação digital é uma necessidade urgente no PT, comprovada pelo uso que a campanha bolsonarista fez desses veículos digitais.

Alguns hão de argumentar que não há uma necessidade de o PT apresentar soluções para os problemas econômicos que desde 2015 assolam o país, lembrando que Bolsonaro venceu em 2018 ao não justamente se comprometer com ideias e proposições. Mas a narrativa que elegeu Bolsonaro em 2018, chegará em 2022 vazia, vide que o capitão-presidente terá completado 4 anos de mandato, e terá que apresentar o que fez durante esse período, se comprometendo como um item que não teve em sua eleição, responsabilidade. E surge disso uma precisão do PT começar a pensar em projetos para serem lançados e enfrentados no debate eleitoral de 2022, pois tanto o petismo quanto o bolsonarismo já terão tido experiencia de governo, e terão que trazer consigo respostas as demandas da sociedade. O PT será confrontado com a crise econômica que surgiu no governo Dilma, e o bolsonarismo será questionado sobre os resultados concretos para solucionar os agravantes da crise.

Aliás, diga-se, as reformas de cunho econômica que o governo Bolsonaro vem fazendo até o momento, são vistas com bons olhos pelo PT, por mais que publicamente a sigla não vocalize tal premissa. Mas pensando numa possível vitória em 2022 do partido, chegar ao Palácio do Planalto com o governo anterior tendo feito reformas no campo econômico, evita do petismo se ver desgastado perante propor medidas emergenciais e estruturais que são sensíveis a bandeira do trabalhismo da esquerda.

Existem outras questões, de natureza estrutural, de maiores dificuldades de enfrentamento de organização, como o sindicalismo, que após a não mais obrigatoriedade do imposto sindical, os sindicatos, bases imprescindíveis do petismo, se encontram num estado de calamitosa desinstitucionalização e organização. Os desafios para a reorganização da base eleitoral e social petista são enormes, mas enquanto o partido continuar insistindo tão somente na figura de Lula como única solução à esquerda e para o país, o lulopetismo ficará entrincheirado num nicho cada vez mais especifico e menor, como vem ocorrendo com o bolsonarismo.

A fórmula para o PT vencer em 2022 é buscar não mais polarizar no debate político, mantendo a seu lado a pequena parcela da classe média alta que se identifica com a sigla, uma questão crítica pois tal estrato social tem mobilização de opinião por se tratar de uma das parcelas sociais mais interessadas e mobilizadas em política, buscando trazer de volta para si a parcela da classe média baixa que durante doze anos, de 2002 a 2014, votou ininterruptamente no partido. Voltando a ter a simpatia das classes trabalhadoras e populares do Sul do país, principalmente do Rio Grande do Sul, e da região Sudeste, nos estados de Rio, Minas e São Paulo, estendendo tal fórmula a um percentual considerável no Centro-oeste, e voltando a conquistar os votos das classes baixas na região Norte, perdida pela primeira vez desde 2002. Foi com uma combinação entre classe média educacional e baixa, juntamente com os votos das classes populares e trabalhadores, que fez com que o PT vencesse quatro eleições presidenciais consecutivas.

Artigo de responsabilidade pessoal do colaborador independente.

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