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O Brasil deve legalizar o jogo e promover a volta dos cassinos? SIM e NÃO

Postado às 04h40 | 16 Nov 2019

Ives Gandra da Silva Martins

SIM

Em 14 de dezembro de 1982 defendi, na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, a primeira tese de doutoramento na área jurídica daquela instituição, com a presença do reitor da universidade, que completará, no ano próximo, um século e meio de existência.

O tema escolhido foi a tributação sobre atividades que se encontram na linha limítrofe entre a legalidade e a ilegalidade, em visão mais abrangente de conformação da norma de imposição tributária como norma de rejeição social, pois, em todos os espaços geográficos e períodos históricos, os cidadãos pagam mais do que devem para permitir ao Estado a prestação de serviços públicos e para beneficiar os privilégios dos detentores do poder nas suas autoconcedidas benesses e na corrupção inerente —em menor ou maior escala— a quem exerce o comando político.

Na ocasião, procurei mostrar que a tributação dos jogos de azar seria a melhor forma de evitar que criminosos ficassem com todo o dinheiro do jogo ilícito —e, ainda, limitaria viagens de quem gosta de jogar. Dessa forma, dinheiro brasileiro não seria perdido no Uruguai, no Paraguai, nos Estados Unidos, no Principado de Mônaco e em outros países onde o jogo é permitido.

Argumentava eu, na ocasião, que quando a bebida alcoólica foi proibida nos Estados Unidos as “gangues” americanas se enriqueceram à custa da Lei Seca, tendo o Estado perdido dinheiro por não arrecadar tributos, assim como gastou recursos do contribuinte no combate a essa criminalidade, algo imortalizado para as futuras gerações com a obra cinematográfica “Os Intocáveis”.

Acresce-se, na proibição à exploração privada de jogos de azar, uma falsa moralidade, pois se permite a loteria esportiva, a loteria federal, as apostas em cavalos. A possibilidade de que o jogo leve as pessoas à ruína se verifica, inclusive, nas corridas de cavalos, como registra o antológico tango que Al Pacino dança no filme “Perfume de Mulher”, intitulado “Por una Cabeza”. Para conquistar uma mulher, o personagem da música aposta tudo num cavalo —e perde a mulher e a fortuna, pois seu animal não ganha a corrida pela diferença de uma cabeça.

Entendia e entendo que legalizássemos o jogo no Brasil com: 1 - tributação mais pesada sobre os que gostam de jogar; 2 - rígido controle sobre os jogadores, a aferir capacidade contributiva e idade; 3 - vigilância da polícia; e 4 - definição de cidades próprias para o turismo do jogo, como ocorre em Monte Carlo. Deixaríamos, assim, de ser permissivos com o desvio de dinheiro brasileiro para outros países.

Tiraríamos, ainda, o “gangsterismo” do controle do jogo clandestino no país e obteríamos maior arrecadação para o Estado, dinheiro este hoje destinado também para os que exploram criminosamente tais atividades sem que haja qualquer benefício para o povo e para o Estado.

Na minha tese, sugeri que tais recursos tributários fossem destinados ao calamitoso sistema carcerário brasileiro, hoje verdadeira escola do crime, e não de reeducação do meliante para que volte recuperado para a sociedade, como idealizaram os especialistas em ciências penitenciárias.

O antídoto para o veneno das cobras é tirado das próprias para salvar a vida daqueles que foram por elas picados. Assim defendi, à época, a liberação do jogo sob rígido controle e elevada tributação.

Minha resposta à pergunta formulada acima, pelos motivos atrás expostos, é de que sou favorável à abertura da exploração dos jogos de azar no país, sob as condições retro mencionadas.

NÃO

Paulo Fernando Melo

Tenho conversado há tempos sobre jogatina: um problema de saúde pública, com patologia e transtorno relacionados, como fato gerador de gastos bilionários com dados alarmantes nos seus aspectos sociais, econômicos e financeiros, que enseja a prática de lavagem de dinheiro, suscetível a ações criminosas e mafiosas, com impacto direto nas minorias e populações mais carentes. Este tema, ainda bem, até agora não possui unanimidade em meio aos parlamentares.

Os defensores dos jogos de azar alegam que nossos argumentos são calcados em religiosidade. Eles rapidinho perceberão que não.

Ricardo Gazel, doutor em economia pela Universidade de Illinois (EUA), por exemplo, aponta que só se observam os benefícios (lucros de futuros operadores, arrecadação de impostos, geração bruta de empregos e renda etc.), enquanto os custos não são analisados (qual será o resultado líquido de empregos e renda, a taxa de lucro para empresas nacionais e multinacionais, o custo para o Estado para a supervisão do jogo, o risco de lavagem de dinheiro, o aumento da criminalidade e as consequências sociais relativas à compulsão e problemas com os jogos?).

Nos EUA, a maior parte dos estados legalizou a jogatina por causa de problemas fiscais. As pessoas não veem o jogo como um imposto —apesar de ser e, pior, regressivo, porque os pobres jogam mais e, portanto, pagam mais. Aí começam a aparecer toda sorte de propostas oportunistas, como ajudar no problema da Previdência Social.

Segundo Gazel, há aumento de arrecadação no início, mas depois ela cai. Nos EUA, onde você abre cassinos, o gasto com loteria diminui. E mais do que isso: um estado que tem cassinos, quando abre novos, há um efeito de canibalização. O estado não passa a ter mais renda só porque um novo cassino se instala. O jogador faz uma substituição: ele tem uma renda para gastar e, em geral, tira de outros jogos e despesas, como shows e restaurantes. Alguns, como os jogadores compulsivos, tiram de tudo, inclusive da comida.

Os defensores estimam que entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões poderiam ser arrecadados pelo governo. Qual seria a estimativa real? Os números estão exagerados. É muito difícil estimar porque não sabemos quanto a indústria vai gerar.

As loterias federais arrecadam cerca de R$ 15 bilhões; as estaduais, R$ 400 milhões; e as corridas de cavalo, R$ 300 milhões. Depois de pagos os prêmios, R$ 15,7 bilhões ficam para o governo, cerca de R$ 107 per capita, contando a população adulta.

Há outras estimativas de que os bingos ilegais faturam hoje R$ 1,8 bilhão, e os cassinos ilegais, R$ 3 bilhões. Já para o jogo do bicho há duas estimativas, ambas sem muito fundamento —uma baixa, de R$ 1,3 bilhão, e outra alta, de R$ 2,8 bilhões por ano. Ou seja, o dinheiro recebido pelos contraventores ficaria entre R$ 6,1 bilhões e R$ 7,6 bilhões ao ano.

As pessoas perdem para o jogo R$ 23,3 bilhões por ano, o que representa 0,4% da renda nacional. Alguns operadores dizem que, se tudo fosse legalizado, chegaria a 1% do Produto Interno Bruto, mas também não existe um número real. O que os defensores afirmam é que, no Brasil, todas as formas de jogo chegariam a R$ 50 bilhões. Temos que ver se de fato alcançariam tanto e como seria essa taxação. Para o governo federal continuar a receber o que recebe hoje das loterias, seria necessário taxar acima de 30%.

Não aceitarei ficar no “e daí?”. Não sou o dono da verdade, mas continuarei lutando em nome dela.

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