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Ney Lopes em artigo hoje na "Tribuna do Norte": "O "gargalo" da reforma da Previdência"

Postado às 04h21 | 13 Mar 2019

Um impedimento legal imobiliza o Congresso Nacional, na discussão e votação da Reforma da Previdência: incorrerá em vício de inconstitucionalidade, qualquer alteração que resulte em aumento de despesa, ou criação de receita (artigos 61, § 1º, II, a e c; 63, I e 145 da Constituição Federal).

Como o debate envolve matéria financeira, as emendas parlamentares que impliquem em aumento de despesa, ou criação de receita, serão consideradas inconstitucionais. Percebe-se verdadeira “camisa de força” para os congressistas, na medida em que constam na proposta, “apenas” mudanças de “mão única”, sem divisão de “sacrifícios” com o “andar de cima” da sociedade.

Caso aprovada sem “ajustes”, a “conta” do combate ao déficit será totalmente paga pela classe média, aposentados, pensionistas, assalariados (trabalhadores rurais e urbanos), servidores públicos e os pequenos e médios empreendedores.

O Congresso não terá como alterar. Simplesmente “votar contra”, não ajudará ao país. O “déficit” realmente existe e paralisa a economia. Portanto, a reforma é necessária e prioritária, desde que tenha equidade” na divisão dos sacrifícios. Esse é o “gargalo”, que inquieta a nação.

O texto em tramitação no Congresso atende unicamente aos “idólatras” do mercado, que têm o “cacoete” de condicionarem mudanças econômicas à lei da oferta da procura e a concessão de incentivos fiscais. A partir daí repetem a ladainha, de que esse é o “único” caminho para a criação de empregos e aumento de investimentos.  

Deixam de levar em conta fatores como a “segurança jurídica”, respeito aos contratos, democracia estável e conjugação de interesses, visando à obtenção do lucro legítimo, na produção e comercialização de bens e serviços.

Neste contexto, não se justificam a continuidade de “privilégios” como o da Ford, em São Paulo, tão nocivos ao país quanto os excessos do funcionalismo público e os desvios da Lava Jato, A empresa se beneficiou de subsídios federais recentes, no valor de R$ 7,5 bilhões (além de outros), concedidos para gerar empregos “não gerados” e agora ameaça demissão em massa e o fechamento das portas da fábrica, sem avaliar o impacto social de sua decisão.

Tudo em nome do livre mercado.

Nos Estados Unidos, pátria do capitalismo, isso jamais ocorreria. A justiça americana aplicou duras sanções, por “desvios de isenções fiscais”, ao redor do parque da Disneyworld (FL).

No mundo todo, o “investidor sério” convive com as “regras de jogo” democráticas, pré-definidas e estáveis.

Somente ocorrem a rejeição e a fuga de capitais, diante da iminência de autoritarismo explícito (risco de uma “Venezuela às avessas”), como caracterizou a declaração do Presidente Bolsonaro, de que “democracia e liberdade, só existem (sic) quando a sua respectiva força armada assim o quer”.

Fato político desse tipo apavora muito mais o “livre mercado”, do que uma possível “divisão de sacrifícios”, inserida no texto da reforma. 

Ainda bem que as Forças Armadas demonstram acolher os sentimentos do general Eduardo Villas Bôas, ex-ministro do Exército, que recentemente proclamou ser legalista, defensor número um da Constituição Federal, das leis e garantidor da democracia.

A reforma da previdência social assemelha-se a um doente, acometido de septicemia (infecção grave generalizada no organismo), cujo estado geral não permite o uso, sem limites, de antibióticos de larga potência, sendo necessário o tratamento gradual, sob pena de ir a óbito.

Da mesma forma, a grave crise econômica e as brutais desigualdades sociais do país, recomendam uma “reforma previdenciária gradual”, com leis temporárias, sem o extremismo de considerar, que a ótica "cega" do mercado seja capaz de dar a “medida certa do impacto fiscal”, no combate ao déficit.

Um exemplo está na reformulação do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

O governo quer antecipar esse benefício para 60 anos, fixando o “abono” de R$ 400 reais (corrigido em INPC), quando atualmente o idoso ganha menos de 150 reais. Realmente, a mudança começaria a distribuir o BPC mais cedo e não seria grande a diferença do “total recebido” pelo beneficiário entre 60 e 69 anos.

Porém, há Estados em que a média de vida é de 57 anos.

Como o idoso esperar para ter direito ao salário mínimo aos 70 anos? Por que não conceder o abono aos 60 anos e o salário mínimo aos 65 anos?

Aumenta a despesa, sim. Todavia, há várias alternativas fiscais para a compensação financeira, desde que se dividam os “sacrifícios”.

Este é o grande desafio!

 

Opinião do advogado  Gustavo Hoffman — Especialista em Direito do Trabalho da Aith, Badari e Luchin Advogados.

Diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas e vigentes no Brasil, tais como a Convenção nº 98, determinam a necessidade de negociação coletiva e o direito de sindicalização. Além disso, a Convenção nº 154 incentiva a utilização da negociação coletiva para solução dos problemas sociais, onde justamente se enquadra a possível demissão em massa por parte da Ford em São Bernardo do Campo.

Além disso, a Coordenação Nacional de Promoção da Liberdade Sindical do Ministério Público do Trabalho (CONALIS) possui enunciado expresso sobre a necessidade de negociação coletiva em casos similares:

ORIENTAÇÃO Nº 06. Dispensa coletiva. DISPENSA COLETIVA. "Considerando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da democracia nas relações de trabalho e da solução pacífica das controvérsias (preâmbulo da Constituição Federal de 1988), do direito à informação dos motivos ensejadores da dispensa massiva e de negociação coletiva (art. 5º, XXXIII e XIV, art. 7º, I e XXVI, e art. 8º, III, V e VI), da função social da empresa e do contrato de trabalho (art. 170, III e Cód. Civil, art. 421), bem como os termos das Convenções ns. 98, 135, 141 e 151, e a Recomendação nº 163 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a dispensa coletiva será nula e desprovida de qualquer eficácia se não se sujeitar ao prévio procedimento da negociação coletiva de trabalho com a entidade sindical representativa da categoria profissional

Possivelmente, a Ford venha a se valer do texto constante no artigo 477-A da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista, o qual estabelece que não há necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para a sua efetivação.

Contudo, podemos concluir que essa "inovação" (a exemplo de tantas outras) são contrárias às normas internacionais da OIT (que possuem o Brasil como país signatário), bem como à própria Constituição Federal, que prevê como direito fundamental a negociação coletiva, em seu artigo 8º, inciso IV: é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Assim, podemos afirmar a inconstitucionalidade da demissão em massa sem prévia negociação coletiva.

Logo, ainda que o texto da Reforma Trabalhista seja mais recente do que as normas protecionistas, fato é que o mesmo não pode ir em sentido contrário à Constituição Federal, bem como ao próprio princípio da vedação ao retrocesso das normas trabalhistas.

 

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