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“Naquela mesa tá faltando ele!” Homenagem ao meu Pai, Josias de Oliveira Souza

Postado às 06h44 | 12 Ago 2018

Hoje, 12, Dia dos Pais. Transcrevo o artigo que publiquei nos jornais O POTI, Natal e GAZETA DO OESTE, Mossoró, RN, em 10 de agosto de 2007, como homenagem póstuma ao meu pai, Josias de Oliveira Souza, homem simples, humilde, alfaiate no bairro do Alecrim, em Natal.

A seguir o texto do artigo:

Homenageio a figura do meu pai, Josias. Católico, estatura mediana, humilde por natureza, cabelos lisos bem penteados, voz mansa, simples, solidário “de plantão”, olhava nos olhos de quem apertava a mão com firmeza.

O seu maior orgulho era ter nascido em Assu, no Rio Grande do Norte, conhecida como a “cidade dos poetas”. Observador, gostava de poesia.

Era alfaiate.

Com a presença norte-americana em Natal, durante a II Guerra Mundial, aprendeu tirar medida de roupa, cortar tecido, mas não sabia costurar.

Instalou a Alfaiataria Globo, em Natal. Mensalmente, ia à Recife comprar no crédito aviamentos para alfaiate. Certa vez, levou-me em uma dessas viagens. Ouvi do gerente da firma Fortunato Russo o elogio de que ele era o seu cliente “mais correto e pontual nos pagamentos”.

 Transmitiu-me a lição que sigo até hoje, de não gostar de dinheiro emprestado e pagar em dia as obrigações. As pessoas mais ligadas a ele diziam que “atravessava um rio a nado para fazer um favor”.

Repetia sempre as máximas: “a única coisa duradoura que os pais dão aos filhos é a educação”; “o trabalho, qualquer que seja, não envergonha ninguém”.

Ele era rigoroso com os estudos dos três filhos. Exigia que fizéssemos o dever de casa à sua frente, na alfaiataria.

Preocupava-se com o meu futuro.

O seu maior sonho era que fosse “Guarda Marinha” (oficial da Marinha de Guerra). Depois, quando decidi ser jornalista e advogado, afirmava que morreria tranqüilo se eu chegasse a ser procurador federal. Sou procurador federal.

Ele acompanhava tudo de política, embora sem nunca ter militado. Quando lhe dizia que um dia seria político, olhava-me com os olhos abertos e brilhosos, quase lacrimejantes e exclamava:”Sou um homem pobre. Não posso ajudá-lo. E no Rio Grande do Norte a política é um “clube fechado”, de famílias tradicionais. Não lhe deixarão entrar. E, se entrar, vão lhe perseguir e sofrerá muitas injustiças”.

Citava, como exemplo, Café Filho, que o próprio Rio Grande do Norte não reconheceu o seu valor pessoal.

No final dos anos cinqüenta surgiram as primeiras roupas feitas.

Seria o momento para a Alfaiataria Globo transformar-se em indústria. Nessa mesma época, um empresário local chamado Nevaldo Rocha, tinha uma loja de camisas em Natal, logo transformada em fábrica.

É hoje a Guararapes, que somada a rede Riachuelo, transformou-se numa das maiores empresas nacionais. O meu pai, pela sua simplicidade, nunca ousou ir além do que cultivar a amizade dos seus clientes, que encomendavam roupa sob medida. Negava-se a pedir empréstimos em bancos, ou favores a governo.

Resultado: os clientes passaram a comprar roupa feita e a Alfaiataria Globo fechou. Muitas vezes, confessou-me as suas dificuldades financeiras.

Eu era adolescente.

Não tive alternativa, senão começar a trabalhar aos 14 anos de idade. Fui revisor e repórter no jornal “Tribuna do Norte”, em Natal.

Recordo a aflição doméstica na hora de pagar os estudos dos filhos e comprar material escolar.

Por essa razão, quando assumi, em 1975, pela primeira vez, o mandato de deputado federal, apresentei projeto de lei, propondo a criação pioneira no Brasil do Crédito Educativo.

Lembro-me das últimas alegrias do alfaiate Josias. A minha formatura em 1967, em que fui o orador da chamada Turma da Liberdade, que tinha Juscelino Kubitschek como patrono, mesmo enfrentando a ira do governo federal e o meu casamento com Abigail, de quem sempre gostou. Morreu aos 56 anos.

 Esteve dias internado num navio-escola norte-americano Hope -, ancorado em Natal.

Supersticioso com o número nove ou numeração que desse em “nove fora nada” faleceu, por ironia do destino, no dia nove de maio, no apartamento número nove.

Herdou a superstição da minha avó Mafalda, que gostava de anotar as coincidências da vida.

Ela registrou que o seu filho único nascera numa terça-feira; o último aniversário e a primeira operação numa terça; a cirurgia reaberta duas vezes em terças feiras e numa terça morreu.

Recordo-me dos "olhos do meu pai", em 1971, quando faleceu.

Ao vê-lo sem vida, com as pálpebras em descanso, recebi apelo de uma equipe médica do navio-hospital americano "Hope".

Pediram-me a doação da córnea dele para transplante. Era um pedido estranho e até rejeitado, na época.

A decisão teria que ser imediata.

Consultei a minha mãe e irmãos. Todos me delegaram a palavra final.

Não titubeei. Autorizei a doação, mediante a condição de não saber (como até hoje não sabemos), quem passou a ter visão com a córnea doada.

Pelo perfil profundamente humano do meu pai, tenho certeza que ficou feliz e descansa em Paz, por outro ser humano ter passado a enxergar o mundo com os seus olhos.

Até hoje, desconheço quem passou a enxergar com os olhos do meu pai.

Neste domingo, permita-me o leitor, lembrar e homenagear “Seu Josias”.

Logo mais, ao lado dos meus filhos, teremos o almoço em família.

Recitarei, baixinho, a trova da música de Sérgio Bittencourt: “Naquela mesa ele sentava sempre e me dizia contente o que é viver melhor... Naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele tá doendo em mim”.

 

 

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