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Entenda julgamento no Supremo sobre "sigilo bancário"

Postado às 04h37 | 05 Dez 2019

Folha

O Supremo Tribunal Federal decidiu que a Receita Federal e a UIF (Unidade de Inteligência Financeira, o antigo Coaf) podem compartilhar dados sigilosos com a polícia e o Ministério Público sem necessidade de autorização judicial. 

Em julho, o presidente da corte, Dias Toffoli, suspendeu investigações criminais que envolviam relatórios com dados bancários detalhados sem que tenha havido aval da Justiça para isso.

A medida de Toffoli, revogada agora pelo plenário, se deu a pedido do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Ele é alvo de apuração que investiga um suposto esquema em seu gabinete quando era deputado estadual do Rio de Janeiro. Seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, também é investigado. 

Até o fim de outubro, mais de 900 investigações haviam sido travadas pela decisão do presidente do Supremo, conforme um levantamento da PGR. 

Abaixo, entenda o que foi discutido.

O que decidiu o Supremo?
Os ministros decidiram que a Receita Federal e a UIF (Unidade de Inteligência Financeira, o antigo Coaf) podem continuar compartilhando com o Ministério Público e a polícia relatórios com dados sigilosos de contribuintes sem necessidade de autorização judicial.

Também foi derrubada a liminar de Toffoli que suspendia mais de 900 investigações em todo o país que envolvem compartilhamento de dados bancários detalhados por órgãos de controle (como Receita e UIF) sem autorização da Justiça.

Foi fixado algum limite para o compartilhamento dos dados?
O plenário aprovou, por 10 votos a 1 (só Marco Aurélio votou contra), a tese proposta por Alexandre de Moraes. A única ressalva foi em relação ao meio de comunicação entre os órgãos, que deve seguir vias oficiais (a UIF não pode mandar um RIF, o relatório de inteligência financeira, por email, por exemplo).

Por que o resultado pode ser considerado uma derrota para Toffoli?
Para além da revogação da liminar (algo que o próprio Toffoli voltou atrás e defendeu em seu voto), o ministro não conseguiu convencer seus pares a estabelecer regras que restringissem o compartilhamento de dados por Receita e UIF. Apenas Gilmar Mendes abraçou a tese da UIF, mas quatro ministros defenderam que o tema nem deveria ser abordado. Isso porque o caso concreto que estava sendo analisado tratava apenas da Receita, sem menções ao antigo Coaf. 

Como a UIF foi parar na discussão?
Toffoli resolveu incluir a UIF ao aceitar pedido da defesa de Flávio Bolsonaro e suspender, em julho, investigações a nível nacional, incluindo a que envolve o senador. O pedido se deu no âmbito de um recurso que já tramitava na corte, mas que tratava apenas da atuação da Receita. O caso de Flávio, contudo, envolve relatórios do antigo Coaf.

Como a análise sobre a Receita chegou ao STF?
A corte analisou o recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) que anulou uma condenação porque esta envolvia dados obtidos pela Receita e compartilhados com o Ministério Público sem prévia autorização judicial. O recurso foi provido, e foi restaurada a sentença da primeira instância. 

Quais as justificativas de Toffoli para, em julho, suspender os inquéritos em âmbito nacional, e não apenas o do senador? 
Toffoli alegou a necessidade de evitar insegurança jurídica. Ele afirmou que a medida tinha o objetivo de evitar que, no futuro, quando o STF decidisse sobre a questão, processos fossem a ser anulados.

Qual foi impacto da decisão de Toffoli? 
A decisão atingiu inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle. Também impactou processos que já passaram da fase do inquérito.

Mais de 900 investigações foram travadas pela decisão de Toffoli, conforme um levantamento da Procuradoria-Geral da República. A maioria era sobre crimes contra a ordem tributária (307), como sonegação, e lavagem de dinheiro (151), inclusive envolvendo esquemas de corrupção.

O que pesa contra Flávio Bolsonaro? 
Há a suspeita de prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa entre os anos de 2007 e 2018 —período em que o policial aposentado Fabrício Queiroz, pivô do caso, trabalhou com ele. A prática consiste na devolução de parte do salário dos funcionários para o deputado ou pessoas de confiança.

Também se apura suposta lavagem de dinheiro por meio de compra e venda de imóveis pelo hoje senador no período.

Há ainda suspeita sobre funcionários fantasmas no gabinete de Flávio quando era deputado estadual.

Por que o caso de Flávio se enquadrava na decisão de Toffoli, agora derrubada, de suspender investigações? 
A apuração envolveu seis relatórios do antigo Coaf que detalhavam, por exemplo, data, agência bancária e horários de dezenas de saques e depósitos realizados —o que, segundo a decisão inicial de Toffoli, em julho, demandava autorização judicial.

Quais os argumentos de Flávio?
Ao STF a defesa sustentou que o Ministério Público do Rio pediu informações sobre ele diretamente ao antigo Coaf, realizando uma verdadeira quebra de sigilo, sem controle judicial, inclusive com contatos por email entre promotores e o órgão de inteligência

Também afirmou que, por solicitação do Ministério Público, o Coaf se comunicou diretamente com as instituições financeiras a fim de detalhar informações enviadas pelos bancos. A medida foi vista como um "atalho" à necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário (que depois se efetivou).

Qual a origem da investigação sobre Flávio ​? 
A apuração começou há mais de um ano e meio, com o envio ao MP-RJ de um relatório do Coaf apontando movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Além do volume movimentado na conta de Queiroz, que era apresentado como motorista de Flávio, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo, em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia.

Ele é alvo de quantas investigações? 
No total, há quatro procedimentos abertos nos quais Flávio figura como investigado. 

Quem investiga?
Três correm no Ministério Público do Rio de Janeiro e um no Ministério Público Federal.

De quais crimes é suspeito? 
Os procedimentos apuram peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio, organização criminosa e improbidade administrativa.

Quais pararam?
Só o procedimento criminal foi parado em razão da discussão no STF. Era o mais avançado, com quebras de sigilo fiscal e bancário do senador e outras 102 pessoas físicas e jurídicas ligadas a ele. 

Há a suspeita de prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio entre os anos de 2007 e 2018 —período em que o policial aposentado Fabrício Queiroz, pivô do caso, trabalhou com ele. A prática consiste na devolução de parte do salário dos funcionários para o deputado ou pessoas de confiança.

De que tratam as outras investigações? 
Há dois procedimentos cíveis com o MP-RJ: um corre há um ano, com base no relatório do antigo Coaf. Outro, que apura a existência de funcionários fantasmas no gabinete, começou há dois meses. O quarto, sob sigilo, está sob responsabilidade do MPF e apura a evolução patrimonial de Flávio.

Por que, em outubro, Toffoli pediu ao Banco Central todos os relatórios do Coaf (hoje ​UIF) produzidos nos últimos três anos?
O ministro disse que queria entender o procedimento de elaboração e tramitação dos relatórios financeiros

No pedido, ele afirma que deve ser especificado quais foram elaborados a partir de análise interna da UIF, quais foram feitos a pedido de outros órgãos (como o Ministério Público) e, nas duas situações, quais foram os critérios e fundamentos legais.

Os relatórios envolvem dados financeiros de quantas pessoas?
Cerca de 600 mil pessoas (412,5 mil físicas e 186,2 mil jurídicas), muitas expostas politicamente e com prerrogativa de função. Os relatórios contêm dados sigilosos.

Toffoli não chegou a efetivamente acessar as informações, apesar de a UIF ter lhe dado acesso ao sistema.

E por que ele desistiu de acessar os dados?
O procurador-geral Augusto Aras pediu a Toffoli que revogasse a decisão na sexta (15). No mesmo dia, o ministro negou o pedido. Além disso, determinou que a UIF enviasse novos dados, como instituições cadastradas para receber os relatórios e quem solicitou o envio dos documentos nos últimos três anos.

Na segunda (18), em posse das novas informações fornecidas pela UIF, Toffoli voltou atrás e revogou a decisão que lhe deu acesso aos dados sigilosos por entender que não eram mais necessários.

O que é a UIF e como ela atua?
O antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), atual UIF (Unidade de Inteligência financeira) é um órgão de inteligência, subordinado ao Banco Central, que atua contra a lavagem de dinheiro. Ele recebe informações de instituições financeiras sobre operações consideradas atípicas, como transações de quantias significativas por meio de conta até então pouco movimentada ou mudança repentina e injustificada na forma de movimentação de recursos.

A UIF produz relatórios (os RIFs) sobre essas movimentações e pode enviá-los à Polícia e ao Ministério Público. A produção pode ser espontânea ou feita a pedido dos órgãos. 

Qual a diferença entre um relatório da UIF e a quebra de sigilo bancário ou fiscal?
O órgão aponta apenas as movimentações consideradas suspeitas: alto volume movimentado ou uso constante e fracionado de dinheiro em espécie, por exemplo. Essas transações são informadas por funcionários das instituições financeiras (como gerentes de banco).

A quebra de sigilo bancário, por sua vez, permite que os investigadores vejam toda a movimentação bancária, mesmo aquelas que não levantaram suspeita. Eles recebem um extrato completo e fazem os cruzamentos que consideram necessários para esclarecer o crime investigado. Já a quebra de sigilo fiscal diz respeito a informações relacionadas a patrimônio, dívidas e rendimento, como a declaração do Imposto de Renda. 

Em alguns casos, uma movimentação que não se enquadra como suspeita pelos critérios dos órgãos de controle é relevante para a investigação.

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