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Entenda a decisão de Toffoli que suspendeu investigações com dados do Coaf

Postado às 05h48 | 17 Nov 2019

Folha

Na próxima quarta-feira (20), o Supremo Tribunal Federal analisa a decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, de suspender investigações criminais que envolvam relatórios que especifiquem dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça para isso.

A medida de Toffoli se deu a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Ele é alvo de apuração que investiga um suposto esquema em seu gabinete quando era deputado estadual do Rio de Janeiro. Seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, também é investigado. 

Como a Folha revelou, o presidente do Supremo determinou em outubro ao Banco Central que enviasse à corte cópias de todos os relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos pelo antigo Coaf (hoje UIF) nos últimos três anos.

Isso envolve dados sigilosos de 600 mil pessoas (412,5 mil físicas e 186,2 mil jurídicas), muitas expostas politicamente e com prerrogativa de função. A Procuradoria-Geral da República (PGR) estuda uma reação.

Até o fim de outubro, como informou reportagem da Folha, ao menos 700 investigações haviam sido travadas pela decisão de Toffoli, conforme um levantamento da PGR. 

Abaixo, entenda o que foi decidido pelo ministro e o que pode mudar a partir disso.

 

 

O que Toffoli decidiu?
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, decidiu suspender, a nível nacional, investigações criminais que envolvam relatórios que especifiquem dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça para tal —ainda que o inquérito tenha outros elementos que o embasem.

A decisão atinge inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle —como o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, hoje Unidade de Inteligência Financeira), Receita Federal e Banco Central. A determinação tem potencial de afetar desde casos de corrupção e lavagem de dinheiro (como os da Lava Jato) aos de tráfico de drogas. 

O que seriam “dados detalhados”?
O STF já havia autorizado o acesso a operações bancárias sem autorização judicial, mas, no entendimento de Toffoli, o plenário da corte decidiu que as informações deveriam se limitar à identificação dos titulares e do valor movimentado. Se envolvesse mais que isso, portanto, exigiria decisão da Justiça. 

Um exemplo são as movimentações do caso Flávio Bolsonaro, que contou com ao menos seis relatórios do Coaf antes da autorização judicial para quebras de sigilos fiscal e bancário dos investigados. Havia documentos que detalhavam, por exemplo, data, agência bancária e horários de dezenas de saques e depósitos realizados (abaixo, leia mais sobre o caso).

Até quando as investigações estão suspensas?
Até que o plenário do STF decida se é legal que dados bancários e fiscais obtidos pela Receita Federal e órgãos de controle sejam enviados ao Ministério Público para fins penais sem necessidade de autorização da Justiça. O julgamento está marcado para o próximo dia 20.

Como esse caso foi parar no STF?
A corte analisa o recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) que anulou uma ação porque esta envolvia dados obtidos pela Receita e compartilhados com o Ministério Público sem prévia autorização judicial —o que o MPF alega ser legal. 

O que isso tem a ver com Flávio Bolsonaro?
A decisão de Toffoli atendeu a um pedido da defesa do senador feito no âmbito de um processo (um recurso extraordinário) que já tramitava no STF, relativo a um terceiro (o caso do TRF-3).

O ministro decidiu pela paralisação de apurações em geral, o que inclui a investigação realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro que envolve Flávio e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Isso porque a investigação começou com o compartilhamento de informações do Coaf e só depois a Justiça fluminense autorizou a quebra de sigilo bancário.

Quais os argumentos de Flávio?
A defesa do senador alegou ao STF que, por solicitação do Ministério Público, o Coaf se comunicou diretamente com as instituições financeiras a fim de detalhar informações enviadas pelos bancos. A medida foi vista como um "atalho" à necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário.

Em outras oportunidades, Flávio já havia tentado anular a investigação, tanto no Supremo como na Justiça do Rio, mas teve os pedidos negados. 

Quais as justificativas de Toffoli para suspender os inquéritos em âmbito nacional, e não apenas o do senador? 
Toffoli alega a necessidade de evitar insegurança jurídica. Ele afirmou que a medida tem o objetivo de evitar que, no futuro, quando o STF decidir sobre a questão, processos venham a ser anulados.

Por que Toffoli pediu ao Banco Central todos os relatórios do Coaf (hoje ​UIF) produzidos nos últimos três anos?
O ministro disse que queria entender o procedimento de elaboração e tramitação dos relatórios financeiros. Toffoli já havia pedido informações dessa natureza antes, mas elas teriam chegado de forma genérica demais.

No pedido, ele afirma que deve ser especificado quais foram elaborados a partir de análise interna da UIF, quais foram feitos a pedido de outros órgãos (como o Ministério Público) e, nas duas situações, quais foram os critérios e fundamentos legais.

Os relatórios envolvem dados financeiros de quantas pessoas?
Cerca de 600 mil pessoas (412,5 mil físicas e 186,2 mil jurídicas), muitas expostas politicamente e com prerrogativa de função. Os relatórios contêm dados sigilosos.

Como o Ministério Público justifica o uso de relatórios do Coaf em inquéritos sem que houvesse decisão judicial autorizando seu envio?
O Ministério Público afirma que os tribunais superiores já se manifestaram a favor do uso de relatórios do Coaf para instauração de inquérito. Promotores citam decisão em que o ministro do STF Luís Roberto Barroso diz que “não há nulidade em denúncia oferecida pelo Ministério Público cujo supedâneo [base] foi relatório do Coaf, que, minuciosamente, identificou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas”.

Apontam ainda decisão da 5ª Turma do STJ na qual os ministros decidiram que “a requisição direta de informações pelo Ministério Público ao Coaf sobre a existência de movimentação atípica independe de prévia autorização judicial”.

Qual o impacto da decisão de Toffoli? Pode paralisar a Lava Jato?
A decisão atinge inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle. Também impacta processos que já passaram da fase do inquérito.

Até o fim de outubro, ao menos 700 investigações haviam sido travadas pela decisão de Toffoli, conforme um levantamento da Procuradoria-Geral da República. A maioria era sobre crimes contra a ordem tributária (307), como sonegação, e lavagem de dinheiro (151), inclusive envolvendo esquemas de corrupção.  

O que está sendo investigado sobre Flávio Bolsonaro? 
O Ministério Público apura a “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele exercia o mandato de deputado estadual na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Nesse tipo de esquema, servidores devem devolver parte do salário para os deputados. O MP-RJ ainda não identificou o possível destino do dinheiro, apenas levantou suspeitas de que ele era repassado para os líderes do gabinete.

Qual a origem dessa investigação? 
A apuração começou há mais de um ano e meio, com o envio ao MP-RJ de um relatório do Coaf apontando movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj.

Além do volume movimentado na conta de Queiroz, que era apresentado como motorista de Flávio, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo, em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia.

Quais os possíveis crimes apontados pelo MP-RJ?  
Peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Há três núcleos investigados, segundo a Promotoria: um que nomeava os assessores, outro que recolhia e distribuía parte dos salários dos servidores e o terceiro, composto por aqueles que aceitavam o compromisso de entregar parte de suas remunerações. 

O que é a UIF e como ela atua?
O antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), atual UIF (Unidade de Inteligência financeira) é um órgão de inteligência, subordinado ao Banco Central, que atua contra a lavagem de dinheiro. Ele recebe informações de instituições financeiras sobre operações consideradas atípicas, como transações de quantias significativas por meio de conta até então pouco movimentada ou mudança repentina e injustificada na forma de movimentação de recursos.

Neste ano, o órgão já esteve sob a alçada do Ministério da Economia e da pasta da Justiça. 

Qual a diferença entre um relatório da UIF e a quebra de sigilo bancário ou fiscal?
O órgão aponta apenas as movimentações consideradas suspeitas: alto volume movimentado ou uso constante e fracionado de dinheiro em espécie, por exemplo. Essas transações são informadas por funcionários das instituições financeiras (como gerentes de banco).

A quebra de sigilo bancário, por sua vez, permite que os investigadores vejam toda a movimentação bancária, mesmo aquelas que não levantaram suspeita. Eles recebem um extrato completo e fazem os cruzamentos que consideram necessários para esclarecer o crime investigado. Já a quebra de sigilo fiscal diz respeito a informações relacionadas a patrimônio, dívidas e rendimento, como a declaração do Imposto de Renda. 

Em alguns casos, uma movimentação que não se enquadra como suspeita pelos critérios dos órgãos de controle é relevante para a investigação. 

 

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