Postado às 04h09 | 14 Mar 2018
Elio Gaspari, Folha
Morreu o costureiro Hubert de Givenchy.
Não fará falta, porque seu mundo acabou há décadas.
Será eternamente lembrado, sempre que uma mulher vestir um "pretinho" parecido com o de Audrey Hepburn no filme "Bonequinha de Luxo".
Quando ela entrou no ateliê, Givenchy decepcionou-se com aquela moça de roupas banais.
Ele achava que sua nova cliente Hepburn seria a já famosa Katharine.
Daquele encontro resultou uma amizade de 40 anos marcada pelo seu estilo, classe e elegância.
Em 1992 Audrey estava ligada a aparelhos, morrendo de câncer nos Estados Unidos, queria passar o Natal na sua casa da Suíça.
Não podia viajar num voo comercial pois seu estado exigia um controle especial da pressurização durante o pouso.
Givenchy ligou para uma de suas clientes, Bunny Mellon, e pediu-lhe o jatinho.
Audrey Hepburn viajou num avião decorado com flores brancas e morreu em casa semanas depois.
O mundo da alta-costura já tinha acabado em 1995, quando Givenchy se aposentou.
Talvez tenha acabado em 1968, quando o genial Cristóbal Balenciaga fechou sua casa de Paris, horrorizado com o que acontecia na rua.
Acabou-se o tempo de estrelas que tinham horror a holofotes (Audrey Hepburn) e bilionárias capazes de ensinar que "nada deve ser notado", como Bunny Mellon.
Num só ano a senhora gastou na Maison Givenchy o equivalente a US$ 700 mil em dinheiro de hoje, mas passava despercebida.
Hoje não existem grandes costureiros.
Balenciaga, ambidestro, costurava com as duas mãos.
Givenchy comandou a confecção do casaco de luto da duquesa de Windsor para o enterro do marido em um dia.
Dizia que o cabelo de Ivana, a primeira mulher de Donald Trump, parecia um repolho, e jamais vestiria a cantora Madonna, pois não desenhava "fantasias".
No Met Gala de 2016 Madonna apareceu com uma fantasia da etiqueta Givenchy que lhe expunha o traseiro.
Ele nada tinha a ver com isso.
No mundo em que não há mais alta-costura, todas as marcas do passado foram compradas por conglomerados financeiros.
A Maison Givenchy pertence ao grupo LVMH.
As iniciais vêm de Louis Vuitton (famoso fabricante de malas), Moët (champanhe) e Hennessy (conhaque).
Seu poderoso executivo é Bernard Arnault, um engenheiro que jamais desenhou uma saia ou apreciou um vinhedo.
Ele é o imperador de um novo luxo, popular, comandado pelos grandes varejistas.
Os vestidos que eram costurados em Paris, hoje são feitos na China.
O grupo LVMH tem dezenas de grifes, entre elas Dior, Kenzo e Pucci, ou as dos relógios Bulgari, Hublot ou TAG Heuer.
De certa maneira o luxo popularizou-se.
Calcula-se que o mundo da alta-costura teve 300 mil clientes.
Hoje, esse cadastro cabe nas encomendas de uma só rede de revendedores.
No final de sua carreira, Givenchy acompanhou a ousadia de Madame Chanel e lançou uma linha de perfumes.
Ele gostaria de ter sabido que um ex-retirante nordestino chamado Lula deu a Marisa, sua mulher, um frasco de "Amarige".
Isso numa época em que o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, usava colônia "Monsieur de Givenchy".
Hubert de Givenchy foi tudo isso, era marquês e também um homem bonito, com 1,96 m e "nariz de rico", expressão criada por Danuza Leão para a estampa de Christine Lagarde, a diretora do FMI.
Quem duvida que haja relação entre nariz e riqueza, olhe para o bilionário Jorge Paulo Lemann.