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Elio Gaspari: "Bretas negou passaporte a Temer, que faria palestra em Oxford"

Postado às 04h04 | 23 Set 2019

Elio Gaspari

No dia 12 de julho a Oxford Union, sociedade de debates criada em 1823 por estudantes daquela universidade, convidou o ex-presidente Michel Temer para uma palestra, agendada para 25 de outubro. No início de agosto Temer pediu ao juiz Marcelo Bretas que liberasse o seu passaporte por seis dias, para um bate e volta. A decisão demorou mais de dois meses e, no último dia 18, o doutor negou o pedido.

Negando passaporte a um ex-presidente, Bretas retomou o costume da ditadura que até 1975 fez a mesma coisa com João Goulart. (Ele viajava com um documento que lhe havia sido dado pelo presidente paraguaio Alfredo Stroessner). Jango, bem como todos os exilados a quem a ditadura negava passaportes, eram adversários do regime e tinham atividade política no exterior. Temer é um ex-presidente que deixou o palácio depois de entregar a faixa ao seu sucessor eleito democraticamente. Mesmo depois de banida pela República, a Família Imperial tinha documentos brasileiros e, em 1922, foi mimada com passaportes diplomáticos.

Já passaram pela tribuna da Oxford Union figuras como Winston Churchill, Elton John, Ronald Reagan, Madre Teresa de Calcutá, Albert Einstein e Marine Le Pen. Como toda sociedade de debates, ela estimula a controvérsia. Negando a Temer o direito de viajar por poucos dias, o juiz Bretas arrisca entrar para a história da Oxford Union como um patrocinador de silêncio. Felizmente existe a possibilidade de um recurso.

O regime democrático brasileiro mostra seu vigor quando se vê que Lula , condenado em duas instâncias, cumpre sua pena em regime fechado, mas dá entrevistas periódicas a jornalistas. Temer não foi condenado em qualquer instância. Bretas tornou-o réu em dois processos e chegou a prendê-lo numa decisão, revertida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que lhe delegou o controle do passaporte.

Durante os dias do espetáculo da prisão de Temer apareceram histórias segundo as quais poderia fugir do país. Ele nunca trocou de endereço.

No despacho em que negou o pedido, Bretas diz que “não fosse a decisão contrária de instância superior (...) o peticionante provavelmente ainda estaria preso preventivamente, pois os argumentos que aqui apresentou não foram capazes de alterar meu convencimento quanto à necessidade de sua custódia.” Não fosse o segundo gol do Uruguai, o Brasil teria ganhado a Copa de 1950. Ele prendeu Temer e o STJ, instância superior, mandou soltá-lo, bola ao centro.

A vida da lei não está só na lógica, mas na experiência. A experiência mostra que negar passaportes (no caso, para uma palestra) faz mal à História de um país. Na direção contrária, faz bem àqueles que se afastam do absurdo disfarçado de lógica.

O chanceler Oswaldo Aranha mandou dar passaportes brasileiros aos comunistas que lutavam na guerra civil espanhola e refugiaram-se na França. O senador baiano Luís Viana ajudou a dobrar o SNI, que negava passaporte ao cineasta Glauber Rocha.

Nada a ver

Valia para o juiz Sergio Moro e vale para seu substituto, o doutor Luiz Antonio Bonat: Pode-se fazer tudo por ele, menos o papel de bobo.

Bonat disse ao ministro Edson Fachin que Moro e a Polícia Federal não anexaram ao processo de Lula os grampos de seus telefonemas da tarde do dia 16 de março de 2016 porque alguns tinham “conteúdo sensivelmente privado” e também porque outros envolviam autoridades com prerrogativa de foro. Haveria o cuidado de “coibir vazamentos”.

Aos fatos:

No relatório dos grampos que a Polícia Federal mandou a Moro no dia 15 de março e ele divulgou no dia seguinte havia uma conversa do ex-presidente com a filha Lurian, combinando um café da manhã. Em outra, com seu irmão Vavá, tratou de assuntos familiares durante quatro minutos. Vavá contou-lhe que a irmã “Maria Baixinha” estava no hospital, fumava escondida e no dia seguinte iria à sua casa para fazer um frango.

Moro suspendeu o grampo às 11h12m do dia 16 e às 13h22m deu-se a conversa fatídica na qual Dilma Rousseff disse a Lula que estava mandando pelo “Bessias” o ato de sua nomeação para a chefia da Casa Civil. Horas depois, esse grampo estava no ar, ao vivo e em cores.

Depois das 11h12m, conhecem-se 20 grampos e em nenhum há conversa de cunho “sensivelmente privado”. Lula falou com Dilma, com o vice-presidente Michel Temer, com o senador Renan Calheiros e com os governadores do Rio, da Bahia, do Acre e do Ceará.

Só o telefonema de Dilma vazou.

Bola dentro

Depois que os educatecas federais tungaram as bolsas dos medalhistas das Olimpíadas de Matemática, o governador Wilson Witzel (Harvard Fake’15) decidiu cacifar os 359 jovens do Estado do Rio que recebiam a ajuda.

A boa iniciativa custará à Viúva R$ 49.700 mensais. Mixaria, para quem leva em conta o estrago que a suspensão das bolsas provocou.

Dois países

Pegou fogo o Hospital Badim, no Rio, e morreram 14 pessoas. Acidentes acontecem, mas nenhum hospital público passou por semelhante desastre.

O Badim faz parte da Rede D’Or, a maior do mercado de saúde privada, com 45 hospitais e lucro líquido de US$ 308 milhões no ano passado. A Rede D’Or informa que sua participação no Badim é apenas passiva. Sabe-se lá o que isso queria dizer para um paciente que estava na UTI e morreu.

No dia do incêndio, o presidente Jair Bolsonaro estava internado no Vila Nova Star, joia da coroa da mesma Rede D’Or, para o andar de cima de São Paulo. Esse novo hospital ganhou fama atraindo renomados médicos com contratos milionários. Algo rotineiro em grandes empresas e clubes de futebol. (Lula e Dilma Rousseff são fregueses do Sírio-Libanês.)

O Badim atende pessoas cujos planos de saúde custam em torno de até R$ 500 mensais. Já as joias da rede recebem clientes que pagam algo como R$ 5 mil, ou mais.

Faz pouco sentido que se propague a ideia de que existe uma rede privada top, plus, star ou d’argent, contrapondo-se à dos hospitais públicos.

Santa Dulce

Neste tempo de demofobia e radicalismos, saiu um bom livro para a alma. É “Irmã Dulce, a Santa dos Pobres”, do jornalista Graciliano Rocha. Ela será canonizada no dia 13 de outubro pelo Papa Francisco. Seu primeiro milagre salvou uma gestante que se esvaía em sangue. No segundo, devolveu a visão a um homem que a perdera havia 14 anos. A narrativa de Graciliano nos dois casos é emocionante.

O maior milagre de Santa Dulce (1914-1992) foi ajudar os pobres da Bahia, invadindo casas desocupadas ou atraindo milionários como Norberto Odebrecht e poderosos como José Sarney.

Certo dia ela pediu dinheiro a um comerciante e levou uma cusparada. Limpou-se e disse:

— Isso é para mim, agora o que o senhor vai dar para meus pobres?

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