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Elio Gaspari: "A dissimulação do general Mourão "

Postado às 07h10 | 12 Ago 2018

Elio Gaspari

O general Hamilton Mourão expôs em Caxias do Sul sua teoria da formação da identidade nacional a partir do gosto dos portugueses pelas sinecuras, da indolência do índio e da malandragem dos africanos. Pegou mal e no dia seguinte ele se explicou:

"Não sou racista, muito pelo contrário. Tenho orgulho da nossa raça brasileira. O que eu fiz foi nada mais nada menos que mostrar que nós, brasileiros, somos uma amálgama de três raças, a junção do branco europeu com o indígena que habitava as Américas e os negros africanos que foram trazidos para cá. (...) Somos a junção desses três povos, com as coisas boas e ruins que eles têm, sem colocar estigma em nenhum deles."

Teria sido mal-interpretado: "O que acontece é que as pessoas pinçam determinadas frases e querem retirar do contexto em que foram colocadas."

Coisa desses malditos jornalistas.

Mourão não é a única pessoa que atribui a uma mítica herança do passado as desgraças do presente. Cada um tem direito de achar o que quiser, mas a explicação do general, atribuindo o mal-estar a uma pinçagem foi um exercício pueril de dissimulação.

Em dezembro do ano passado, durante uma palestra, o general Mourão expôs a sua teoria das raças com mais precisão. O vídeo está na rede. Foi uma fala articulada, o general estava fardado e seguiu um roteiro ilustrado por transparências. No 43º minuto, ao concluir, anunciou:

"E aqui, minha gente, existe a maior de todas as reformas, que é a reforma moral, em cima dos valores da sociedade, a reforma cultural. Nós carregamos dentro de cada um, uma herança cultural tripla. Nós temos a herança cultural ibérica, que é a do privilégio e da sinecura. Todo mundo quer se dar bem. Temos a herança cultural indígena, que é a da indolência. É o índio deitado na rede e a mulher cavando lá, carregando filho. E temos a herança cultural africana que é a da magia. Vai dar certo, vai dar tudo certo. A malemolência, o samba. Nós somos melhores. A embaixadinha. Nós temos que romper esse ciclo. Essa é a realidade."

A realidade é que o general não se orgulha de coisa alguma. Pelo contrário, seriam vícios que exigem uma "reforma moral".

Gilberto Freyre orgulhava-se do amálgama da formação do brasileiro, já o conde Gobineau, o embaixador francês no Brasil durante o Segundo Império, previa que a miscigenação provocaria o colapso da sociedade brasileira ainda na primeira metade do século 20. Mourão está mais para Gobineau do que para Gilberto Freyre.

Entre os defeitos que Mourão atribuiu a portugueses, índios e negros, ele não incluiu a dissimulação. Certamente há portugueses, índios e negros dissimulados, mas isso não caracteriza os conjuntos. O dissimulador é apenas um dissimulador, quer seja português, índio, negro, chinês ou ucraniano..

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